A presidente afastada Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (29), em discurso de 46 minutos em defesa própria no julgamento do impeachment no Senado, que é alvo de um “golpe de estado” e que não cometeu os crimes de responsabilidade pelos quais é acusada. Segundo ela, só os eleitores podem afastar um governo “pelo conjunto da obra”.
Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de estado. Do que eu fui acusada? Quais os crimes hediondos que eu pratiquei?”
Dilma Rousseff
Dilma começou a discursar às 9h53, 15 minutos depois da abertura da sessão pelo presidente do julgamento, ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele conclui a fala às 10h39.
O pronunciamento da presidente afastada antecede as três últimas etapas do julgamento – o interrogatório de Dilma pelos senadores, o debate entre acusação e defesa e a votação do impeachment pelos parlamentares.
No discurso, Dilma disse que “jamais” renunciaria e que é alvo de um “golpe de estado”: “Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de estado. Do que eu fui acusada? Quais os crimes hediondos que eu pratiquei?”, indagou.
Segundo ela, o regime presidencialista do Brasil não prevê que, se o presidente perder a maioria dentro do Congresso, o mandato deve ser cassado. Dilma disse que “só o povo” pode afastar o presidente pelo “conjunto da obra”
“No presidencialismo previsto na Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar o presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade e está claro que não houve tal crime”, disse Dilma.
Não é legitimo, como querem meus acusadores, afastar o chefe de estado e de governo por não concordarem com o conjunto da obra. Quem afasta o presidente por conjunto da obra é o povo, só nas eleições”
Dilma Rousseff
“Não é legitimo, como querem meus acusadores, afastar o chefe de estado e de governo por não concordarem com o conjunto da obra. Quem afasta o presidente por conjunto da obra é o povo, só nas eleições”, afirmou.
Ela relacionou o que chamou de “golpe” ao governo do presidente em exercício Michel Temer, ao qual classificou como “usurpador”.
“Um golpe que, se consumado, resultará na eleição de um governo indireto e usurpador. A eleição indireta de um governo que na sua interinidade não tem mulheres nos ministérios quando o povo nas urnas escolheu uma mulher para comandar o pais. Um governo que dispensa negros na sua composição minsiterial e revelou profundo desprezo pelo programa escolhido e aprovado pelo povo em 2014”, disse Dilma.
Dilma iniciou o discurso fazendo referência à tortura que sofreu como presa política durante a ditadura militar. “Não posso deixar de sentir na boca novamente o gosto amargo da injustiça e do arbítrio”, afirmou.
Segundo ela, em seu mandato como presidente, defendeu a Constituição e que jamais agiria contra a democracia. “Sempre acreditei na democracia e no estado de direito. Jamais atentarei contra o que acredito ou praticaria atos contra os interesses daqueles que me elegeram”, afirmou a presidente afastada na parte inicial de sua fala.
“Não luto pelo meu mandato por vaidade ou apelo ao poder como é próprio dos que não têm caráter. Luto pelo povo do meu país, pelo seu bem estar”, declarou.
‘Pena de morte política’
Segundo ela, o julgamento ao qual é submetida é “injusto” e se perder o mandato sofrerá uma “pena de morte política”
“Cassar meu mandado é como me condenar a uma pena de morte política. Essa é a segunda vez que me vejo em um julgamento injusto. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, ficaram as marcas no meu corpo e um registro da minha presença diante dos meus algozes, olhando de cabeça erquida enquanto eles escondiam o rosto. Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura. Meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência e, por isso, têm meu respeito. Continuo de cabeça erguida olhando nos olhos dos meus julgadores”, declarou.
Emoção
Em um momento emocionado de seu discurso, Dilma disse que já esteve perto da morte por duas vezes: quando foi presa, na ditadura militar, e quando tratou um câncer, em 2010. Ela disse que, agora, não teme a própria morte, mas a morte da democracia.
“Por duas vezes, vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos submetida aos que nos faziam duvidar da humanidade e do sentido da vida, e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência. Hoje, só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós aqui neste plenário lutamos com o melhor dos nossos esforços”, afirmou Dilma.
‘Ruptura democrática’
A presidente afastada reafirmou que não cometeu nenhum dos crimes de responsabilidade pelos quais é acusada e disse que o país corre o risco de uma “ruptura democrática”.
Depois de fazer referência aos ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubtscheck e João Goulart, alvos de tentativas de retirada do poder, disse que a “ruptura democrática” se dá agora sob pretextos constitucionais “embasados por uma frágil retórica jurídica”.
“O que está em jogo no processo de impeachment não é o meu mandato”, afirmou. Segundo ela, “o que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos”, e listou iniciativas do governo dela, como valorização do salário mínimo, programas de médicos e de casa própria.
Eduardo Cunha
Dilma fez críticas à atuação do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo de um processo de cassação na Casa. Para ela, o processo de impeachment é resultado de uma “chantagem” de Cunha, que, segundo ela, agiu em retaliação depois que o processo de cassação foi aberto no Conselho de Ética da Câmara.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por chantagem explícita do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (…). Exigia aquele parlamentar que intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação. Nunca aceitei na minha vida ameaça ou chantagem.”
Dilma Rousseff
“Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por chantagem explícita do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declaração à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação. Nunca aceitei na minha vida ameaça ou chantagem. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidenta.”
Segundo ela, na gestão de Cunha, além de a Câmara não ter dado apoio a medidas para combate à crise econômica, ainda apresentou “pautas-bomba” que aumentavam os gastos do governo.
“Deve ser ressaltado que a busca de equilíbrio fiscal desde 2015 encontrou forte resistência na Câmara, à época presidida pelo deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados foram rejeitados parcial ou integralmente. Pautas-bombas foram apresentadas e algumas aprovadas, afirmou.
Apelo
Dilma disse que seu governo contrariou interesses ao apoiar investigações contra a corrupção. Segundo ela, essa postura gerou reação daqueles que queriam “evitar a continuidade da sangria de setores da classe política brasileira”.
“Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal.Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive”, afirmou Dilma.
No final de sua fala, Dilma disse que não nutriria ressentimento por senadores que votassem pelo impeachment, mas pediu a eles que votassem pela democracia.
Faço um apelo final a todos os senadores. Não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam justiça a uma presidente honesta que jamais cometeu qualquer ato ilegal.”
Dilma Rousseff
“Votem sem ressentimento. o que cada senador sente por mim importa menos do que aquilo que todos nos sentimos pelo povo brasileiro. Peço votem contra o impeachment, votem pela democracia”, declarou.
“Faço um apelo final a todos os senadores. Não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam justiça a uma presidente honesta que jamais cometeu qualquer ato ilegal na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu”, concluiu Dilma.
A sessão foi aberta às 9h38. Depois disso, o presidente do julgamento, ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, pediu ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para introduzir a presidente afastada no recinto. Dilma sentou-se no extremo da mesa, à esquerda de Lewandowski. Ela começou a discursar às 9h53 e conclui às 10h39, 46 minutos depois.
As regras do julgamento estabeleceram 30 minutos para o pronunciamento de Dilma – período que acou sendo prorrogado por mais 16 minutos. Em seguida, ela começou a ser interrogada pelos senadores. Até a última atualização desta reportagem, 47 senadores estavam inscritos para fazer perguntas, pelo tempo de 5 minutos cada. Dilma teria o tempo que for necessário para responder as questões.
A presença de Dilma no julgamento marca a fase final do processo, iniciado em dezembro do ano passado, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou uma denúncia apresentada pelo advogado Hélio Bicudo, pela professora Janaína Paschoal e pelo jurista Miguel Reale Jr.
A decisão final, pela condenação ou absolvição da petista, deve ocorrer entre terça e quarta-feira (31), após debate entre acusação e defesa e novas manifestações do senadores. São necessários 54 votos entre os 81 senadores para o afastamento definitivo da petista.
Convidados
Para a sessão desta segunda, Dilma convidou 18 ex-ministros, entre os quais Ricardo Berzoíni, Carlos Gabas, Jaques Wagner e Juca Ferreira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda. Os convidados ficaram na galeria do Senado, acima do plenário.
Na semana passada, entre quinta (25) e sábado (27), os senadores ouviram as testemunhas de defesa e de acusação no processo. Ao longo de três dias, os parlamentares fizeram inúmeros questionamentos aos depoentes, colheram informações e pediram esclarecimentos.
(Do G1, em Brasília)