A falta de evidências científicas sobre a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19 e a necessidade de investimento em terapias como a que utiliza o plasma sanguíneo de pacientes curados estão entre as questões analisadas por pesquisadores da Fiocruz em reunião remota realizada nessa quarta pela Comissão de Saúde da Assembleia. A convite do colegiado, os infectologistas Lindomar Pena e Paulo Sérgio Ramos esclareceram dúvidas dos deputados sobre as diretrizes científicas no enfrentamento da pandemia. Os especialistas ainda questionaram o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde ampliando o uso da cloroquina no país.
Lindomar Pena alertou sobre as Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Covid-19, produzido após consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. O documento se coloca contra o uso de rotina da hidroxicloroquina, em associação com a azitromicina.O pesquisador da Fiocruz defendeu a terapia com o plasma de pacientes recuperados da covid. “E para isso, a gente precisava mobilizar hospitais e centros de pesquisa pra padronizar e produzir esse plasma em quantidade porque é um tratamento que tem efeitos colaterais pequenos, né, em grande maioria dos pacientes e tem eficácia comprovada para muitas doenças respiratórias e, nos estudos que saíram até agora, ele é eficaz pra covid.”
Chefe do serviço Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas, da UFPE, Paulo Sérgio Ramos salientou que a maior parte das drogas avaliadas em centenas de estudos no Brasil e no mundo não traz evidência científica de eficácia da cloroquina, ou as evidências são muito frágeis. O que deixa os médicos na linha de frente com dificuldade na interpretação dos resultados clínicos. “O Hospital de Clínicas onde eu trabalho, né, um serviço especializado, universitário, e o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, que é a referência do Governo do Estado para doenças infecciosas. Então a gente tem um grupo, né, do WhatsApp onde tem 130, 140 médicos infectologistas, eu posso dizer para os senhores: nós não prescrevemos né… nem cloroquina, nem hidroxicloroquina para os pacientes, nem em nível ambulatorial, nem nos pacientes internados.”
Ramos afirmou que não existe “receita de bolo”, e que o tratamento precisa ser personalizado, com o acompanhamento da evolução de cada paciente. Para a presidente da Comissão de Saúde, deputada Roberta Arraes, do PP, a apresentação dos infectologistas enriquece a atuação do Grupo de Trabalho da Covid-19 criado na última terça na Alepe. “Um debate bastante salutar, enriquecedor, onde a gente consegue realmente tirar as nossas dúvidas, e que a gente possa ser agentes multiplicadores de, aonde a gente for, onde a gente estiver falando, a gente possa realmente levar essa mensagem com segurança.”
O vice-presidente do Colegiado, Isaltino Nascimento, do PSB, abordou os riscos de infecção relacionados ao retorno das atividades após a quarentena. Dentre as preocupações do deputado está a evidência de um estudo da revista britânica Lancet apontando que a duração média de contaminação viral é de 20 dias: “Pra saber como a gente vai abrir comércio, e de que modo vai abrir comércio, porque por enquanto a tese vigente é 14 dias, mas está posta aí que poderá haver contaminação com menos de 20 dias, ou seja, significa que nós vamos ter que pensar sobre essa questão.”
Evitar que profissionais de saúde curados da Covid-19 voltem ao trabalho ainda no período de transmissão, e a limpeza frequente dos banheiros das UPAs e dos hospitais estão ainda entre os cuidados analisados durante a reunião. Antônio Fernando, do PSC, questionou a possibilidade da Hemobrás colaborar com a produção do plasma a ser usado no tratamento do coronavírus. O deputado também apontou a falta de testagem da população, sobretudo no Sertão do Araripe. Teresa Leitão, do PT, criticou a politização do debate, simbolizada pelas declarações do presidente Bolsonaro em favor da cloroquina, uma “fantasia medicamentosa”, na opinião da parlamentar. Ela também chamou a atenção para a reabertura das escolas, citando o caso da França, onde as aulas voltaram a ser suspensas após o surgimento de novos casos.
Ainda nessa quarta, a Comissão de Saúde distribuiu e aprovou projetos. Dentre as matérias que receberam parecer favorável, está a que atualiza a legislação proibindo a venda de cigarros para menores de idade no Estado. A proposição coíbe também a distribuição gratuita do produto e de similares, como o narguilé.