Mais do que o apoio de convertidos em motociatas por diversos estados do país, a reeleição do presidente Jair Bolsonaro passa pelo desafio de retomar a relação com os desiludidos com sua gestão no governo federal. De acordo com a primeira pesquisa do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) sobre a corrida eleitoral de 2022, mais da metade (53%) dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018 pretende trocar para outro candidato, ou apertar as teclas branco e nulo na urna eletrônica no ano que vem.
O levantamento mostra que um quarto (26%) dos eleitores de Bolsonaro na eleição passada sinaliza o voto no ex-presidente Lula, que se tornou elegível desde março, quando o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu anular os processos contra o petista na Justiça Federal de Curitiba. Outra má notícia para o presidente é que mais de um terço (34%) dos que o elegeram dizem que não votariam nele de jeito nenhum.
O perfil daqueles que se arrependeram de votar em Bolsonaro é semelhante ao que votava em Lula nos anos 2000, segundo antecipou o colunista Lauro Jardim. São pessoas que têm até o ensino fundamental, moram no Nordeste, são residentes no interior, com renda familiar de até um salário mínimo, em municípios de até 50 mil habitantes e que se autodeclaram pretas ou pardas. Nesse último segmento, a diferença entre Lula e Bolsonaro é mais que o dobro: 54% contra 21%. Situação similar ocorre entre os mais pobres (62% de Lula, ante 16% do presidente) e menos escolarizados: 34 pontos de frente para o petista.
O cientista político Osvaldo Amaral, da Unicamp, afirma que os desapontados com a gestão do presidente não se importam com suas bandeiras conservadoras e são fortemente influenciados pelo quadro ruim da economia e da pandemia.
—A pesquisa mostra que há um contingente de desiludidos que apostaram em Bolsonaro em razão da onda anti-petista, mas que não são casados com suas pautas ideológicas. São pessoas que perderam empregos ou familiares para a Covid e que têm uma memória melhor dos governos do Lula, avalia o cientista político.
Amaral pondera que a situação pode se modificar, em caso de melhora significativa do cenário econômico e da crise sanitária.
—Há um forte componente de avaliação do dia a dia. Hoje a situação política está muito conturbada e podem surgir nomes novos. O eleitor trabalha com os nomes que conhece e com as memórias dos respectivos governos (Bolsonaro e Lula). Isso pode mudar, é claro.
Os recortes do levantamento do Ipec mostram a perda de apoio de Bolsonaro em segmentos em que ele superou o petista Fernando Haddad em 2018. Isso ocorre até em núcleos fiéis como entre homens brancos, com renda maior do que cinco salários mínimos, nível superior e evangélicos.
De acordo com o Ipec, Lula lidera em todas essas faixas. No quesito religião, ele está à frente entre católicos, com 52% da preferência, contra 20% do presidente. A diferença diminui entre evangélicos: 41%, contra 32% de Bolsonaro. O grupo religioso é base de sustentação de Bolsonaro e de suas pautas conservadoras.
O petista também está à frente em regiões onde o presidente concentra maiores níveis de aprovação, como o Sul. Lá, o petista tem 35% das intenções de voto, contra 29% do presidente.
Os dados do Ipec foram divulgados na sexta-feira e apontam que o ex-presidente Lula lidera a disputa ao Planalto do ano que vem, com 49% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro. O petista venceria o pleito em primeiro turno, caso as eleições fossem hoje.