O sistema de saúde brasileiro enfrenta desafios complexos que demandam uma análise profunda e estratégias bem definidas para sua evolução. A fragmentação, a desigualdade e a iniquidade são características marcantes do cenário atual, composto principalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), operadoras de saúde e prestadores privados/filantrópicos, com uma participação relevante de instituições do terceiro setor e grupos de advocacy.
A ausência de integração entre os sistemas público e suplementar, tanto na operação quanto no compartilhamento de informações sobre os pacientes, agrava a situação. Faltam dados que permitam compreender as características, diferenças e interações entre esses sistemas nas diversas regiões do país. A falta de uma estratégia, planejamento, liderança e coordenação dificulta a estruturação de um sistema de saúde verdadeiramente único, que atenda a população de forma ampla, independentemente de sua vinculação ao SUS, à saúde suplementar ou a prestadores privados.
O SUS, presente em 5.571 municípios com características diversas, enfrenta desafios como o baixo financiamento e a falta de infraestrutura, incluindo recursos humanos, para lidar com a crescente complexidade do cuidado em saúde. A saúde suplementar, por sua vez, conta com 667 operadoras ativas com beneficiários, cobrindo cerca de 25% da população, mas não se comporta como um sistema de saúde planejado e estruturado.
O financiamento público representa apenas 43% do gasto total em saúde, sendo que uma parcela significativa, cerca de 30%, é arcada diretamente pela população, o que dificulta a gestão eficiente e coordenada do investimento. A baixa eficiência da gestão, principalmente na esfera pública, e a ineficiência do processo de regionalização do cuidado no SUS também contribuem para o cenário problemático.
A escassez de informações complexas, granulares e atualizadas sobre as necessidades da sociedade, infraestrutura, acesso, navegação do paciente no sistema, desfechos clínicos e financiamento impede um diagnóstico claro dos problemas e a definição de prioridades e soluções. A falta de métricas para avaliar os desfechos clínicos inviabiliza a avaliação da eficiência dos gestores do SUS, das operadoras e dos prestadores.
A falta de uma política clara e adequada para trabalhar a inovação e a incorporação tecnológica, compatível com a evolução da saúde e com as necessidades da sociedade, é outro ponto crítico. A divisão do cuidado em Atenção Primária, Média e Alta Complexidade cria uma percepção inadequada de que os problemas em saúde podem ser tratados de forma segmentada, em vez de uma abordagem baseada em linhas de cuidado.
A municipalização excessiva e a visão de cuidado defasada, que não acompanhou a transformação complexa na capacidade de cuidar e na evolução epidemiológica e demográfica do país, também contribuem para a situação. A falta de uma definição clara do que é a Atenção Primária e a ausência de Estratégia, Planejamento, Liderança e Coordenação adequadas são outros desafios a serem superados.
A situação atual é consequência de décadas de escolhas e ações de múltiplos governos, e a gestão não acompanhou a evolução da inovação tecnológica, da complexidade do sistema, dos custos e da necessidade de informação. Os gestores, principalmente públicos, não exerceram seu poder de escolha, e o Ministério da Saúde não se colocou como Ministério de um país, mas como um Ministério do SUS, limitando sua capacidade de liderar, coordenar, transformar e gerir o cuidado e a saúde de toda a população.
O futuro do sistema de saúde brasileiro dependerá da capacidade de superar esses desafios e de promover transformações significativas. A entrada da Inteligência Artificial, a evolução da verticalização na Saúde Suplementar, o papel das agências reguladoras, a criação de um Instituto de Inteligência com foco em informação de qualidade e a evolução do financiamento são alguns dos pontos que podem impactar o futuro do sistema. A Inteligência Artificial, se bem utilizada, pode auxiliar no diagnóstico de problemas e na busca por soluções, mas é fundamental lembrar que ela é apenas uma ferramenta e que as pessoas por trás dela são quem farão a diferença.
