Corria a década de 1930, mais do que um meio de entretenimento e informação, naquela época, o rádio era utilizado como um instrumento político capaz de formar opiniões e mobilizar a sociedade em prol de determinados interesses. Tendo inicialmente o objetivo de difundir a cultura e promover a integração nacional, o rádio logo assumiu um papel de destaque, tornando-se capaz de alterar hábitos e criar necessidades. Nesse período o poder público procurou regulamentar o meio radiofônico incentivando o seu desenvolvimento comercial, técnico e profissional.
Aqui nestas brenhas dos confins do sertão pernambucano só se sabia de notícias ou novidades através do sistema do telégrafo, da morosidade do correio ou através de alguém que cruzasse esses caminhos – um mascate que fosse, ou por alguém, vindo de Vila Bela, aqui chegasse carregado das conversas nos dia de feira.
Foi então que, ai pelos idos de 1938, o prefeito Vécio Alves de Menezes, adquiriu no Recife um rádio para a prefeitura municipal, era um aparelho muito grande, à bateria, como eram os primeiros modelos fabricados naquela época. A arrojada ação do prefeito foi manchete nos jornais daquele tempo. O semanário “A Voz do Sertão” da cidade de Triunfo, jornal informativo e interativo que abrangia todo o sertão de Pernambuco noticiou na sua edição de nº 186, pág. 2 do dia 06 de novembro de 1938: “A Prefeitura de Belmonte acaba de adquirir um aparelho de rádio a bateria, instalado no salão nobre do Paço Municipal, tem funcionado com regularidade, constituindo um único a agradável passa tempo.”
O rádio da prefeitura foi o primeiro do Município de Belmonte. No dia de sua instalação a admiração e o espanto foi geral quando se ouviu, pela primeira vez, os ruídos saindo daquela caixa mágica de madeira. Todo mundo queria ver de perto a grande novidade, aquelas falas que saiam em notícias e cantigas daquele curioso e moderno invento da humanidade… Não foram poucos os que falaram, responderam mesmo, aos cumprimentos dos locutores. E os comentários ocuparam as conversas de todos o tempo todo. Os grandes acontecimentos eram acompanhados com redobrada atenção e vivo interesse, em transmissões que nem sempre chegavam com clareza de sinal. A escuta das estações, todas distantes, dependia da qualidade do tempo, do pipocar das descargas. O noticiário da Segunda Guerra Mundial – batalhas, avanços e recuos, ocupando um grande espaço na programação, situava o belmontense no mundo, enquanto lhe dava oportunidade de conversar e discutir sobre temas e assuntos que fugiam do dia-a-dia simples do sertanejo.
A religião também ganhava novas dimensões no horizonte daquelas pessoas. O Congresso Eucarístico, realizado entre os dias 04 a 07 de setembro de 1939 no Recife, com o tema: “A Eucaristia e a Vida Cristã”, transmitido ao vivo pelo rádio, alimentou a fé daqueles que se ajoelhavam para ouvir missa, escutar os sermões e os cânticos sacros, diante da Prefeitura Municipal localizada, à época, na Praça Pires Ribeiro, onde é hoje a residência do Sr. Antônio Donato.
Os últimos lançamentos musicais eram rapidamente decorados para aumentar o repertório das serenatas e da “trilha sonora” das moças em seus afazeres domésticos.
Em seguida ao rádio da Prefeitura Municipal, o Sr. Euclides Carvalho, rico comerciante, também adquiriu um rádio para a sua loja. Lá também era ponto disputado das pessoas que iam ouvir notícias e músicas em memoráveis passa tempo.
Naquele tempo, a iluminação, portanto, continuava sendo a querosene com a luz amarela dos candeeiros e faróis a clarear a escuridão da noite, mas as “ondas hertzianas”, tal como falavam os locutores, traziam as novidades do oco do mundo.
A chegada do rádio revolucionou e mudou profundamente o cotidiano e a vida dos belmontenses. Ao mesmo tempo em que lhe situava no mundo com uma imensa variedade de assuntos, lhe roubava a solidão característica do sertanejo. Audições musicais, novelas e noticiários passaram a preencher o ambiente doméstico. Muitos deixavam de sair de casa ou se encontravam em locais públicos para ouvir rádio no aparelho disponível de vizinhos, na Prefeitura Municipal, nas lojas dos ricos comerciantes, do Padre Antônio Vieira e outros.
Os primeiros tempos do rádio, com poucos aparelhos, e depois, com a expansão do seu uso, geraram situações curiosas que demonstram e ilustram a ingenuidade desse povo.
Uma dessas situações vem da divulgação de um remédio para reumatismo. O Sr. Mariano (pai de Noé Mariano da Cruz), dono de um reumatismo dos “brabos”, ouviu certo dia, durante um comercial, que “quem gosta de velho é reumatismo”. Ficou impressionado dizendo: “pois não é que o diabo ta me vendo mesmo”.
Outro caso foi o de Seu Sinésio, da Várzea (bisavô do vice prefeito Adé Feitosa), que comprou um rádio a José Rodrigues de Lima. Depois de instalado em sua casa, o rádio tocou até o dia seguinte, sem parar. As baterias foram naturalmente falhando, arruinando a transmissão, modificando as vozes. Como não sabia desligar o rádio, Seu Sinézio bastante preocupado e aflito, selou o cavalo e partiu rápido para a rua. Foi pedir a Zé Rodrigues uma providência para o povo que já estava ficando rouco, rouco, as vozes enfraquecendo de tanto falar sem parar.
Por Valdir José Nogueira de Moura
Secretário Municipal de Cultura e Turismo e Colunista de Cultura do Blog do Silva Lima