A reforma do novo ensino médio, sancionada em agosto deste ano, trouxe importantes mudanças para a educação brasileira, que passarão a vigorar em 2025. No entanto, o debate em torno de suas implicações não cessou com sua aprovação da Lei nº 14.945/2024. Educadores, alunos e especialistas ainda expressam preocupações sobre sua implementação e os efeitos que ela pode ter na qualidade do ensino. Uma dessas reflexões inclui, por exemplo, o futuro do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Com o veto à parte do texto que estabelecia a inclusão dos conteúdos dos itinerários formativos no Enem a partir de 2027, surge a defesa de que o modelo utilizado como uma das principais portas de entrada nas universidades públicas deve ser revisado e atualizado, alinhando-se ao que será exigido dos alunos durante o ensino médio
Enquanto o governo federal argumenta que a inclusão do conteúdo flexível no exame “poderia comprometer a equivalência das provas, afetar a isonomia na participação nos processos seletivos e acentuar as desigualdades de acesso ao ensino superior”, é imprescindível que o exame se torne mais atrativo para os estudantes. No Enem 2023, apenas 40% dos participantes eram egressos da rede pública.
O debate sobre a atualização do Exame Nacional do Ensino Médio, foi um dos temas levantados durante a realização do Especial JC Educação, realizado no dia 26 de setembro, no auditório Graça Araújo, na sede do Jornal do Commercio. O evento reuniu os secretários de educação, Alexandre Schneider (Pernambuco), Fred Amancio (Recife), o ex-ministro da Educação e relator da reformulação da lei do novo ensino médio, o deputado federal Mendonça Filho, e o educador e catedrático da USP de Ribeirão Preto, Mozart Neves Ramos. Também estiveram presentes os gestores, professores e especialistas ligados à área de Educação.
Os desafios da transição do modelo de ensino médio
“Como o Enem não mudou, precisamos garantir que nossos alunos se tornem mais competitivos ao longo do próximo ano. Uma das medidas que vamos adotar é ampliar as atividades de produção de texto e leitura. Nossos adolescentes, tanto da rede pública quanto da privada, leem muito pouco. É fundamental que eles escrevam mais, não apenas porque isso é uma habilidade essencial para o Enem — que faz uma grande diferença na performance em redação —, mas também porque é uma competência crucial para o futuro”, afirmou o secretário de Educação e Esportes de Pernambuco, Alexandre Schneider.
A fala do gestor indica os desafios que as redes de ensino terão a partir da transição dos alunos que já estiverem com o ensino médio em curso. Em Pernambuco, Schneider destaca que apesar dos bons resultados obtidos pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) 2023, onde o Estado se manteve na terceira colocação no ensino médio – atingindo a meta de 4,5 -, os níveis de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática ainda precisam avançar mais.
“O governo não alterou o sistema de avaliação. Quem estuda em uma escola privada, por exemplo, percebe que os pais já estão questionando quantos alunos se inscrevem para o Enem e quais são suas notas. Essa tem sido a única preocupação. Portanto, quando o incentivo permanece inalterado, a situação não se resolve. Isso prejudicou a implementação de uma mudança clara, e considero que foi um erro do governo federal não ter promovido essa alteração, já que o projeto original previa a necessidade de uma reformulação”, pontuou o secretário estadual de Educação.
A busca dos gestores é de que o novo ensino médio seja mais do que simplesmente dialogar com os interesses dos estudantes; o objetivo é criar uma escola que incentive o desejo de aprender, permita que os alunos façam suas próprias escolhas e compreendam que isso é fundamental para suas vidas. Assim, o intuito é prepará-los para navegar em um mundo complexo.
Outro ponto é com relação a formação dos professores. Segundo Alexandre Schneider, o Estado pretende contar com os professores necessários para assegurar não apenas a formação básica, mas também os itinerários formativos escolhidos pela escola, em vez de determinar esses itinerários com base nos professores disponíveis. “Isso é um verdadeiro desafio, especialmente em relação à formação. A proposta é que, ao longo do próximo ano, ofereçamos aos professores a oportunidade de desenvolver esses aprofundamentos e trilhas que sejam mais atraentes para os alunos”, destacou.
É preciso rediscutir o modelo dos Anos Finais do Ensino Fundamental?
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), aproximadamente 14% dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental são reprovados ou abandonam a escola. Um dado ainda mais preocupante refere-se ao 1º ano do Ensino Médio, onde 21% dos estudantes também desistem dos estudos ou são reprovados.
Esses números indicam que os problemas de evasão escolar não se restringem ao ensino médio, mas começam no Ensino Fundamental. A comunidade escolar deve adotar uma abordagem integrada para enfrentar esse desafio. Além de reorganizar currículos e cargas horárias, é crucial abordar os sentimentos que afetam os estudantes nesse período, como destacou o secretário de Educação do Recife, Fred Amâncio, durante o evento Especial Educação JC.
“É fundamental considerar a perspectiva do estudante, que já enfrenta diversas angústias, especialmente em escolas públicas, onde esses desafios se agravam devido ao abandono escolar e às desigualdades. A estrutura do novo ensino médio precisa dar conta destas questões, mas antes disso, é essencial reconhecer que esses desafios nascem fortemente nos anos finais do ensino fundamental, uma etapa que foi esquecida durante muito tempo”, destacou o gestor.
Isso porque os alunos já chegam ao ensino médio com a distorção idade-ano. Para entender melhor o ambiente que as escolas devem oferecer para que as crianças e os adolescentes se sintam estimulados, a Secretaria de Educação do Recife realizou uma pesquisa com alunos dos 6º e 7º anos e dos anos finais do ensino fundamental, sobre quais são as melhores formas de aprender e quais atividades são indispensáveis na escola do futuro.
Para 53,8% dos estudantes, a escola precisa ir além dos muros, realizando visitas, passeios e trabalhos fora da unidade de ensino. Já 49,4% desejam uma escola mais conectada com o cotidiano, envolvendo tecnologias e atividades mais colaborativas.
A busca da escola que tenha sentido para esses jovens não é a escola do Enem; é a escola que vai impactar a vida deles, que vai poder inseri-los no mercado de trabalho. Isso é o que faz a diferença, porque, se eles pensam que é só para o ensino superior, talvez numa escola particular isso seja válido. Mas nós, que somos de escola pública, sabemos que os estudantes procuram pouco mais que isso”, avaliou Amancio, destacando também o papel do ensino técnico profissionalizante.
Diante disso, o secretário de Educação do Recife destaca que já está em discussão no Brasil, o que seriam os novos anos finais do ensino fundamental”. O MEC inclusive, lançou em julho deste ano, o Programa de Fortalecimento para os Anos Finais do Ensino Fundamental – Programa Escola das Adolescências que conjuga esforços da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos municípios para construir uma proposta para a etapa que se conecte com as diversas formas de viver a adolescência no Brasil.
O Ensino Técnico Profissionalizante ainda é visto com desvalorização
A reforma do novo ensino médio estabelece que, para a formação técnica e profissional, serão necessárias 1.800 horas de formação geral básica. Além disso, 300 horas poderão ser alocadas para um aprofundamento em disciplinas da Base Nacional Comum Curricular que estejam diretamente ligadas à formação técnica profissional. Assim, com esses dois módulos somando 2.100 horas, restarão 900 horas dedicadas exclusivamente às disciplinas do curso técnico escolhido pelo aluno, totalizando 3.000 horas.
Esse foi um dos principais pontos defendidos pelo relator da Lei nº 14.945/2024, o deputado federal Mendonça Filho, que argumenta que os alunos devem ter facilidade de acesso ao mercado de trabalho. “Nós expandimos muito fortemente o número de matrículas em educação técnica e profissional, passando de 1,8 milhão de matrículas para 2,4 milhões de matrículas em 2023. O que coloca o Brasil no caminho que nós desejamos e esperamos, que a gente possa oferecer cada vez mais o acesso a essa formação que gera mais empregabilidade e melhora a renda dos nossos jovens”, declarou o parlamentar pernambucano.
Mendonça Filho destacou ainda que muitos jovens de comunidades concluem o ensino médio mais tarde e que isso gera uma desvantagem para essa parcela da população brasileira. “Nesse contexto, os jovens são obrigados por circunstâncias do lar, ir buscar renda e se inserir no mercado de trabalho. Então toda estrutura antiga que tínhamos no ensino médio, era impedimento para que pudéssemos alargar as oportunidades para a formação técnica e profissional”, afirmou Filho.
Segundo sua perspectiva, apesar da excelência na formação técnica oferecida pelos institutos federais e pelas instituições vinculadas ao Sistema S, ainda persiste um grande preconceito em relação a essa modalidade de ensino. Ele destacou que, ao avaliar os egressos do ensino técnico, os resultados são superiores aos dos formados no ensino médio regular de escolas públicas. “Muitos jovens não veem a universidade como uma opção para o seu futuro, e precisamos respeitar essa realidade. Outros, por sua vez, optam pelo curso técnico e depois buscam uma formação superior”, defendeu Mendonça Filho, enfatizando a necessidade de impulsionar a educação técnica.
Coragem para fazer mudanças na educação básica brasileira
As mudanças propostas desde 2017 com relação as diretrizes e estrutura do ensino médio no Brasil, foram vistas pelo catedrático do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto, Mozart Neves Ramos, como um ato de coragem pela melhoria da educação e do futuro dos jovens brasileiros.
Mas com os vetos que tratavam da inclusão dessa parte flexível no Enem, que irá avaliar nas provas apenas o que é abordado na formação geral básica, o educador afirma que o cenário do ensino médio ainda se encontrará fragmentado do conteudismo.
Mozart Ramos, defende que se não houver uma melhora na qualidade da educação básica, não haverá futuro na universidade. E isso passa por ensinar os jovens estudantes a lidarem com problemas complexos, a partir da relações socioemocionais também. “O Enem, por exemplo, deveria estar olhando se os nossos estudantes desenvolveram as competências exigidas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) ao final da educação básica. E não se eles resolveram uma equação do 2º grau”, alertou.
Essa atualização e a coragem para propor mudanças significativas, também deveriam estar inseridos diretamente na sala de aula. O educador cita como exemplo o uso de tecnologias que poderia contribuir com a otimização das tarefas que demandam cerca de 40% do tempo do professor, como a correção de trabalhos e textos. No entanto, ainda há resistência na inserção da inteligência artificial porque se criou a imagem de que essas ferramentas vieram para substituir o papel do professor em sala de aula.
“O professor deveria tá com esse tempo que ele vai ter, de 40%, pensando em aulas inovadoras, criativas. Então o mundo mudou, mas nós não mudamos e esse que é o problema”, disse. Outro ponto abordado pelo professor, durante o Especial JC Educação, é que as universidades possam dialogar melhor com a educação básica para que mudanças reais possam acontecer. “Qual é o caminho? Um sistema conteudista fragmentado não dialoga com um cenário disruptivo, goste ou não goste”, afirmou Mozart Neves Ramos.
Fonte: JC
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