O principal desafio do sistema de saúde brasileiro reside na complexa tarefa de decidir quais tecnologias e medicamentos devem ser incorporados, e como garantir que essas inovações cheguem à população de maneira eficiente e equitativa. A velocidade crescente da inovação tecnológica agrava esse desafio, enquanto a capacidade de financiamento do país não acompanha o ritmo do aumento da demanda e dos custos associados.
A realidade é que os recursos financeiros disponíveis são insuficientes para absorver todas as inovações existentes, e essa lacuna tende a se ampliar. Inovações são frequentemente desenvolvidas para mercados de alta renda, enquanto países como o Brasil, com renda média-alta, investem proporcionalmente menos em saúde.
A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é uma ferramenta útil para avaliar o benefício clínico de uma intervenção específica, mas não oferece um panorama completo para as complexas escolhas de incorporação que um sistema de saúde precisa fazer. Antes da MBE, a experiência individual e a opinião de especialistas eram os principais fatores nas decisões clínicas. Com o tempo, a necessidade de uma base de análise mais sólida e complexa levou ao desenvolvimento da MBE e da Pirâmide de Evidências Científicas.
Um ponto crítico é o risco de supervalorizar a significância estatística em detrimento do benefício clínico real, especialmente em estudos com grandes amostras ou metanálises. A Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já utiliza a MBE para avaliar a eficácia e segurança de medicamentos e tecnologias, mas essa análise se limita ao âmbito clínico e regulatório, não abrangendo a avaliação e incorporação mais amplas, que exigem considerações econômicas, sociais e de priorização.
Instituições como a CONITEC e COSAÚDE avaliam sob a perspectiva econômica e social, mas não abordam de forma ideal a capacidade de financiamento. A MBE, assim como o Índice de Custo Efetividade Incremental (ICER), não são suficientes para definir quais tecnologias priorizar. O ICER avalia a disposição para pagar, não a capacidade real. Mesmo que uma intervenção seja considerada custo-efetiva, pode ser inviável dentro de um orçamento limitado.
A criação de um Instituto de Inteligência em Saúde, também chamado de Única, visa combinar a avaliação de incorporação com a avaliação econômica, considerando as perspectivas econômica, social, de financiamento e de eficiência máxima do sistema de saúde.
É essencial focar nas escolhas necessárias, reconhecendo que nem todas as tecnologias benéficas poderão ser incorporadas. A estratégia atual de avaliação e incorporação de medicamentos e tecnologias tem se mostrado ineficaz, como evidenciado pela quantidade de medicamentos incorporados que não chegam aos pacientes e pelo aumento da judicialização. O sistema de saúde brasileiro necessita de uma reestruturação abrangente, liderada por uma gestão eficiente e um projeto de estado bem definido.
