O plano de paz para Gaza apresentado por Donald Trump e aceito “sob condições” pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu provocou reações diversas na terça-feira (29/9). Analistas entrevistados pela RFI apontam uma “proposta sólida, mas com dificuldades de implementação”, um plano que traz “a marca do egocentrismo de Trump”, e fazem críticas à escolha de Tony Blair para comandar a comissão de transição que lembra o “protetorado britânico”.
Entre os principais pontos do plano de paz para Gaza estão a interrupção imediata da guerra, a libertação dos reféns em até 72 horas e a retirada gradual das forças israelenses. Donald Trump deverá desempenhar um papel central na aplicação do plano, liderando o comitê de paz encarregado de supervisionar a transição em Gaza.
Para o especialista em Oriente Médio David Rigoulet-Roze, do Instituto Francês de Análise Estratégica, o plano é “sólido, embora haja dificuldades para sua implementação”. Ele destaca que a pressão de Trump para resolver o conflito é “extremamente forte”, mas ressalta que ainda falta a resposta do Hamas.
O movimento radical palestino, que atualmente controla a Faixa de Gaza, “terá muita dificuldade em recusar” o plano acredita. “O Catar afirmou estar em condições de convencer o Hamas da necessidade de aceitar os termos do plano, porque o grupo ainda considerava realizar liberações em etapas. No entanto, o plano prevê que todas as liberações ocorram em até 72 horas, de forma total”, avalia Rigoulet-Roze.
“Egocentrismo de Trump”
Segundo Souhire Medini, especialista em Oriente Médio e pesquisadora visitante no Washington Institute, o plano de 20 pontos tem claramente a marca do “egocentrismo” de Trump. “Ele está em destaque por meio da presidência do que chamou de comissão de paz. Nos deparamos com um vocabulário que não é o do direito internacional, mas sim o da economia, que Donald Trump gosta de valorizar”, afirma Medini.
Para ela, isso não envia um sinal positivo aos palestinos. “Dá a impressão de que se quer tirar dos palestinos a gestão de seu próprio futuro”, explica. Apesar disso, Medini vê uma evolução positiva em relação à proposta feita por Trump em janeiro, quando o presidente americano sugeriu que os Estados Unidos assumiriam o controle da Faixa de Gaza, insinuando que os palestinos deveriam deixar o território.
“O fato de que essas duas ideias não estão mais presentes e de que o plano afirma claramente que tudo será feito para permitir que os habitantes permaneçam em Gaza já é uma evolução positiva”, compara. Ela também aponta a falta de consenso dentro do governo israelense como um obstáculo. “Para alguns de seus aliados ultranacionalistas, esse plano é totalmente inaceitável, simplesmente porque menciona um Estado palestino”, salienta.
Volta do protetorado?
Para Éric Danon, ex-embaixador da França em Israel entre 2019 e 2023, o plano de Trump é concreto e potencialmente decisivo. Em entrevista à RFI, Danon afirma que a proposta oferece uma “saída não humilhante ao Hamas”, ao sugerir o exílio dos líderes do movimento no Catar e a anistia aos militantes que depuserem as armas. O Hamas tem três dias para responder à proposta americana. Se aceitar, Danon acredita que estaremos diante de “algo realmente determinante para a guerra em Gaza”.
Danon compara a futura governança de Gaza, por meio de um comitê de paz de transição presidido por Trump, ao protetorado britânico (oficialmente Mandato Britânico) que administrou a Palestina entre 1920 e 1948. Por isso, ele vê problemas na escolha do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair como braço direito de Trump. “Há uma história britânica na Palestina que não é positiva nem para Israel, nem para os palestinos”, lembra.
Por fim, o ex-embaixador avalia que a França, que liderou recentemente o movimento pelo reconhecimento do Estado palestino na ONU, está sendo excluída do processo. “Nem Israel, e consequentemente nem Trump, provavelmente aceitarão que a França participe agora da governança palestina. Ou seja, uma governança pelas Nações Unidas, uma força de interposição da ONU e um sistema liderado pela Autoridade Palestina — tudo isso, por enquanto, está morto”, conclui.