Nesta quarta-feira (3/9), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento da ação penal que investiga a suposta trama golpista atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a outros sete réus do núcleo 1, ou “núcleo crucial” da Ação Penal 2668. O segundo dia dessa fase final do julgamento terá como destaque a sustentação oral da defesa do ex-presidente.
O rito teve início nessa terça-feira (2/9), com o presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin abrindo a sessão. Depois o ministro relator Alexandre de Moraes leu o relatório da ação penal e na sequência passou a palavra para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que sustentou a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A PGR pediu a condenação de Bolsonaro e outros sete réus. Após a manifestação do Ministério Público, os advogados de Mauro Cid, Alexandre Ramagem e Anderson Torres fizeram suas sustentações orais.
Nesta quarta, a sessão da Primeira Turma será apenas no horário da manhã, das 9 horas às 12 horas. O julgamento retornará com a sustentação oral da defesa do general Augusto Heleno.
A grande expectativa para o segundo dia de julgamento é a sustentação dos advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro, colocado pela PGR como líder da suposta trama golpista.
Todos os juristas têm até uma hora para defender os seus clientes perante os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
É esperado que a primeira semana de julgamento se encerre com as sustentações orais dos advogados, deixando o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, para abrir a sessão do dia 9 de setembro (terça-feira), já na segunda semana.
Confira os réus do núcleo crucial
- Alexandre Ramagem: ex-diretor da Abin, ele é acusado pela PGR de atuar na disseminação de notícias falsas sobre fraude nas eleições.
- Almir Garnier Santos: ex-comandante da Marinha, ele teria apoiado a tentativa de golpe em reunião com comandantes das Forças Armadas, na qual o então ministro da Defesa apresentou minuta de decreto golpista. Segundo a PGR, o almirante teria colocado tropas da Marinha à disposição.
- Anderson Torres: ex-ministro da Justiça, ele é acusado de assessorar juridicamente Bolsonaro na execução do plano golpista. Um dos principais indícios é a minuta do golpe encontrada na casa de Torres, em janeiro de 2023.
- Augusto Heleno: ex-ministro do GSI, o general participou de uma live que, segundo a denúncia, propagava notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A PF também localizou uma agenda com anotações sobre o planejamento para descredibilizar as urnas eletrônicas.
- Jair Bolsonaro: ex-presidente da República, ele é apontado como líder da trama golpista. A PGR sustenta que Bolsonaro comandou o plano para se manter no poder após ser derrotado nas eleições e, por isso, responde à qualificadora de liderar o grupo.
- Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do caso. Segundo a PGR, ele participou de reuniões sobre o golpe e trocou mensagens com conteúdo relacionado ao planejamento da ação.
- Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa, ele teria apresentado aos comandantes militares decreto de estado de defesa, redigido por Bolsonaro. O texto previa a criação de “Comissão de Regularidade Eleitoral” e buscava anular o resultado das eleições.
- Walter Souza Braga Netto: é o único réu preso entre os oito acusados do núcleo central. Ex-ministro e general da reserva, foi detido em dezembro do ano passado por suspeita de obstruir as investigações. Segundo a delação de Cid, Braga Netto teria entregado dinheiro em uma sacola de vinho para financiar acampamentos e ações que incluíam um plano para matar o ministro Alexandre de Moraes.
Alexandre Ramagem é o único que só responde por três crimes, devido a uma decisão do STF. Após pedido da Câmara dos Deputados, dois crimes foram sustados da análise, por terem sido cometido depois da eleição do parlamentar. Ramagem responde por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Confiram com vídeos o resumo do primeiro dia:
Moraes inicia julgamento
O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, abriu os trabalhos por volta das 9h20 e reforçou a importância da soberania nacional e do papel do Supremo na proteção do Estado Democrático de Direito.
Durante a leitura do relatório, que levou 1h27 para ser concluída, Moraes destacou que o julgamento segue o mesmo rito de outras 1.630 ações penais já abertas após os atos de 8 de janeiro de 2023.
“Esse julgamento é mais um desdobramento do legítimo exercício pelo STF e de sua missão. Existindo provas, acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes e os réus condenados. Havendo dúvida razoável sobre a culpabilidade, serão absolvidos. Assim se faz a Justiça”, disse Moraes.
O ministro também afirmou que a tentativa de golpe pretendia “instalar uma ditadura” e que a Corte “só tem a lamentar” diante de mais uma tentativa de ruptura democrática no Brasil. “A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. Não se pode confundir pacificação com o apaziguamento covarde, que leva à impunidade”, alegou o relator da ação no STF.
Sem citar diretamente, Moraes fez referência às sanções impostas a ele pelo governo do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que incluiu o ministro na chamada “Lei Magnitsky”. “A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida”, afirmou o magistrado.
Ele também mencionou investigações que envolvem o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), acusado pela PGR de ter atuado nos EUA para promover retaliações contra ministros do STF.
Gonet aponta provas e pede condenação
Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou a acusação contra Bolsonaro e os demais réus. Segundo ele, a configuração do crime de golpe de Estado não depende de uma ordem formal iniciando a ruptura.
“Para que a tentativa se consolide, não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente. A tentativa se revela em atos voltados ao propósito da ruptura constitucional e ao apelo ao uso da força”, disse Gonet.
O PGR listou fatos que, segundo o Ministério Público, comprovam a atuação da organização criminosa: ameaças ao Judiciário, plano para assassinar autoridades como Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin, uso da PRF para barrar eleitores, instrumentalização da Abin, reuniões de teor golpista e os ataques de 8 de janeiro – que ele chamou de “atos espantosos e tenebrosos”.
O procurador disse ainda que Bolsonaro seria o maior beneficiado e líder da trama. “Não é preciso esforço extraordinário para reconhecer que, quando o presidente e o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para formalizar um golpe, o processo criminoso já está em curso.”
Ele encerrou pedindo a condenação do “núcleo crucial” do esquema, afirmando que as investigações se baseiam em documentos e provas produzidos pelos próprios envolvidos.
Cármen Lúcia dá bronca em advogado
A ministra Cármen Lúcia interrompeu a sustentação do advogado de Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da Abin. O jurista misturou os termos “processo eleitoral auditável” e “voto impresso”, o que motivou uma advertência.
“O processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil. Uma coisa é a eleição com processo auditável, outra coisa é o voto impresso. O que se fez foi o tempo todo dizer que precisava de voto impresso, que tem a ver com o segredo e a lisura do voto”, corrigiu a ministra.
O advogado respondeu dizendo que usou os termos como sinônimos por causa do contexto da investigação, mas Cármen reforçou a diferença.
“O advogado fez muitas referências à inexistência ou que teria havido uma campanha pela eleição/processo auditável e que isso foi objeto de uma emenda constitucional. Mas Vossa Senhoria sabe a diferença entre processo eleitoral auditável e voto impresso? Você repetiu como sinônimo e não é. O processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil”, advertiu Cármen.
Defesa de Mauro Cid
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi a primeira a se manifestar. O advogado Jair Ferreira reafirmou a validade da delação premiada assinada com a Polícia Federal e negou que seu cliente tenha sido pressionado.
Outro defensor, Cezar Bittencourt, afirmou que não há provas concretas contra Cid: “O que há é apenas o recebimento passivo de mensagens no WhatsApp, sem qualquer incentivo a atentados ou rupturas democráticas.”
Segundo a defesa, Cid pediu baixa do Exército por não ter condições psicológicas de continuar na carreira.
Defesa de Alexandre Ramagem
Representado pelo advogado Paulo Cintra, Alexandre Ramagem foi apontado pela acusação como parte do núcleo crucial da trama. A defesa, no entanto, negou qualquer participação em planos contra as urnas eletrônicas.
A defesa do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), afirmou que o deputado federal não era “ensaísta” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas apenas um “compilador” dos pensamentos do ex-chefe do Palácio do Planalto.
“É muito grave dizer que Alexandre Ramagem seria ensaísta de Jair Bolsonaro. Não, não é. Quando muito ele era grande compilador oficial da República, porque o que tinha naqueles documentos era declarações públicas e reiteradas [de Bolsonaro], como naquele ‘cercadinho’ que colocavam jornalistas na frente do Palácio do Alvorada”, alegou o advogado.
A defesa também rejeitou a acusação de que o deputado teria usado a Abin para monitorar autoridades, entre elas o ministro Moraes.
Defesa de Almir Garnier
O ex-comandante da Marinha Almir Garnier foi defendido pelo advogado e ex-senador Demóstenes Lázaro Xavier Torres. Segundo ele, não há provas de que o militar tenha colocado tropas à disposição para sustentar um golpe de Estado.
“O procurador-geral ficou apenas com a afirmação de que ele teria colocado tropas à disposição, evidentemente por ausência de lastro”, disse.
Torres também alegou que a acusação se baseia em uma “narrativa globalizante”, sem nexo causal individualizado. Ele pediu ainda a anulação da delação de Mauro Cid.
Defesa de Anderson Torres
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi defendido pelo advogado Eumar Novacki, que acusou a PGR de distorcer fatos ao tratar de uma viagem feita pelo cliente em novembro de 2022.
Segundo a acusação, o deslocamento para os EUA seria uma tentativa de omissão ou fuga relacionada ao 8 de janeiro. A defesa rebateu mostrando passagens e alegando que a viagem era de férias com a família. “O objetivo era confundir a população. A acusação sabia que não se tratava de fuga.”
Sobre a minuta de golpe encontrada em sua casa, o advogado alegou que o documento já circulava na internet antes de ser apreendido.
Novacki reconheceu a gravidade dos ataques de 8 de janeiro, que classificou como uma “mancha na história do Brasil”, mas pediu que o julgamento seja conduzido com isenção: “Esse julgamento não se confunde com vingança, trata-se de Justiça.”
O que acontece agora
Após a defesa de Anderson Torres, o ministro Cristiano Zanin suspendeu a sessão, que será retomada nesta quarta-feira (3/9). Ainda falarão os advogados de Jair Bolsonaro e de três generais denunciados.
Os votos dos ministros da Primeira Turma do STF só serão lidos após todas as manifestações da defesa.