Enquanto Brasília promete simplificar o sistema tributário, o Amazonas teme ser simplificado do mapa. Na capital federal, chamam de “reforma do século”, o que é apenas um aumento brutal da carga tributária. No Norte, soa mais como “reforma do sacrifício”. O discurso é bonito: modernizar, desburocratizar, unificar. Mas, na prática, o que se desenha é um IVA nacional (Imposto sobre Valor Adicionado) que pode transformar a Zona Franca de Manaus num museu industrial — com entrada gratuita e saída sem emprego.
Faz-se necessário mostrar a Maldição de Ajuricaba:
“Quem mexer com a minha gente, verá seu ente mais querido morto”
Criada em 1967, em plena Revolução Redentora, a Zona Franca foi uma invenção inteligente num país de improvisos. Uma tentativa de levar desenvolvimento à Amazônia sem precisar derrubar a floresta. A fórmula era simples e genial: dar incentivos fiscais para produzir aqui, e não para extrair dali. Em meio século, o modelo gerou mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos, movimentou o comércio, sustentou o PIB do estado e garantiu que o Amazonas fosse mais conhecido por suas fábricas de tecnologia do que pelos discursos de ONG. Assim como os “gênios” fizeram com o Nordeste e o Vale do Jequitinhonha. São Paulo adora essas frases de efeito. Sampa produz muito e consome demais. Só não está preparada para receber 2 milhões de pessoas em um ano. Sampinha ainda não tem água.
Agora, com a chegada do IVA, o governo promete que “ninguém perderá”. É o tipo de frase que já deveria pagar imposto por excesso de otimismo. A tal “neutralidade federativa” é uma ilusão conveniente — porque neutralidade num país desigual é o mesmo que pôr o tucunaré pra correr contra o tubarão e ainda cobrar pedágio do peixe menor.
A Zona Franca não é um favor. É uma política de Estado que impede a desertificação econômica da Amazônia e transformá-la em entreposto de cocaína, ipadu, maconha e outros produtos que já desfilam em festas e avenidas. Custa menos de 0,5% da arrecadação nacional e devolve em forma de renda, tecnologia, educação oriental, arrecadação estadual e, sobretudo, preservação ambiental. Se ela acabar, não virá a prosperidade prometida pelos tecnocratas de planilha — virá a migração, o desemprego e a volta das motosserras, porque quem tem fome não faz cálculo de carbono. Até o Comando Vermelho, faturando bem por aqui, descerá para dividir as rendas do P.C.B.I. (Produto Criminal Bruto Internacional) com Rio, São Paulo, Brasília e Minas. Eu nem quero ver o imposto ser cobrado e recebido do C.V.- Comando Vermelho e da absorvida F.D.N.- Família do Norte.
O que se esconde sob o discurso da “simplificação” é o velho preconceito contra o desenvolvimento fora do eixo. Para muitos em Brasília, e na Av. Brigadeiro Faria Lima, o Amazonas só serve como reserva moral, ecológica e, de preferência, caladinho. Querem que a floresta fique em pé, mas não que o povo viva de pé. Querem a natureza viva, mas o emprego morto. Atualmente, os sem-emprego e com a Bolsa-Miséria, estão em alta. Só o “Brasil com S”, neste mundo de Meu Deus, pensa assim.
E quando se fala em modernizar, é bom lembrar: não há nada mais chic e moderno do que manter a floresta em pé, produzindo riqueza. A Zona Franca é um modelo de capitalismo verde avant la letter (antes do seu tempo) — muito antes dos europeus inventarem o selo ESG e das conferências do clima servirem café orgânico alemão: o Nespresso. A Alemanha é a maior produtora mundial de café e não tem um pezinho do coffea arabica.
O economista Roberto Campos dizia que “os impostos são o preço da civilização, mas o excesso deles é o preço da burrice”. Pois bem: tributar a Amazônia tributando menos para São Paulo é um ato de burrice federativa. Não há isonomia possível entre quem vive às margens do Rio Negro e quem opera às margens das Avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima, sentindo o sedutor aroma do Tietê.
O Brasil precisa de uma reforma que simplifique sem eliminar, que modernize sem mutilar. A Zona Franca de Manaus pode ser atualizada, aperfeiçoada, fiscalizada — mas jamais extinta em nome de uma fantasia contábil. O que o Amazonas pede não é esmola fiscal; é inteligência estratégica. Que o IVA nacional venha, mas com cláusulas de transição realistas e incentivos específicos para regiões que vivem em outra latitude econômica e social.
Porque a floresta não pode pagar o preço da “neutralidade” feita por quem nunca viveu em um igapó. E, se o Congresso quiser insistir na ideia de tributar a mata, que ao menos se prepare para recolher o imposto em tucunaré, castanha, camu-camu, maconha, tucumã, ipadu, patauá, açaí e sacos de cocaína — porque dinheiro, se nada mudar, vai ser artigo de exportação.
No fim das contas, o que Brasília chama de “simplificação” o Amazonas entende como “invisibilização”. A Zona Franca não é um pedaço de burocracia tropical — é o último capítulo em que a Amazônia ainda é produtiva e soberana. Apagá-la em nome de um IVA universal seria o mesmo que transformar o mapa do Brasil num arquivo morto.
E, se insistirem em cobrar imposto até da nossa floresta, cuidado: o próximo contribuinte poderá ser o curupira, o mapinguary ou a caipora. E esses: dizem! dizem! Atraem, maltratam e só aceitam pix!
Roberto Caminha Filho, economista, só dorme ouvindo histórias dos Pais da Selva, com pés trocados, enganando caçadores, atraindo inimigos e fazendo maldades com eles. Cuidado! Eles são muitos!

