Desde seu retorno à presidência, Donald Trump intensificou a pressão para reduzir os preços de medicamentos nos Estados Unidos. No final de julho, ele enviou cartas a empresas farmacêuticas exigindo preços mais baixos, alinhados aos praticados em outros países, como na Europa. Uma ordem executiva do governo Trump defende que americanos não devem subsidiar medicamentos em outros países desenvolvidos, pagando mais caro pelos mesmos produtos em território nacional. A medida visa garantir o acesso a preços de “nação mais favorecida”.
Em agosto, um acordo comercial com a Comissão Europeia estabeleceu uma tarifa de 15%, incluindo produtos farmacêuticos, com algumas isenções para genéricos.
Contudo, especialistas alertam que as pressões econômicas sobre a indústria farmacêutica e outros governos podem ter efeitos colaterais. Uma análise da The Kaiser Family Foundation (KFF) indica que pequenas e médias operadoras de saúde podem aumentar seus preços devido a possíveis subfaturamentos frente às tarifas, especialmente em medicamentos de marca ou importados. Estima-se um aumento mediano de 18% nos prêmios em 2026, proposto por 312 seguradoras que operam sob a Lei de Assistência Médica Acessível (ACA), o maior aumento desde 2018.
Profissionais da área de economia alertam que a exigência de Trump pode não gerar reduções significativas nos preços nos EUA, gerando outros problemas.
Margaret Kyle, professora de Economia no Centro de Economia Industrial (CERNA) da Université Paris Sciences et Lettres, expressa preocupação com os pacientes em outros países, que podem ter acesso reduzido aos medicamentos ou enfrentar aumento da falta de transparência nos mercados.
A equiparação aos preços de “nação mais favorecida”, já utilizada na Europa, pode prejudicar países com menor PIB per capita, que já pagam preços mais baixos. Segundo Kyle, esses países podem enfrentar falta de acesso a medicamentos, pois as farmacêuticas podem preferir não vender em mercados menores com preços baixos. A política pode levar a negociações de preços secretas entre governos e indústrias, diminuindo a transparência.
Outra preocupação é o impacto direto na Europa e no Canadá, frequentemente citados como países que não pagam o suficiente por medicamentos. A estratégia pode levar as indústrias a priorizar o mercado americano, retirando-se de mercados menores ou negociando descontos ocultos.
Países com mercados menores podem ter o lançamento de medicamentos cancelados ou descontos significativos recusados, temendo que esses preços baixos sejam usados como referência em mercados mais ricos. Negociações globais, como as do Fundo Global e da Unicef, também podem ser afetadas, pois dependem de acordos de preços escalonados para países pobres.
Segundo Graziela Zucoloto, do Ipea, o Brasil possui uma regulação de preços bem estabelecida, que utiliza uma cesta de países para definir o valor máximo de um medicamento, incluindo os Estados Unidos.
Uma pesquisa de 2024 mostrou que os Estados Unidos pagam 278% a mais por um remédio do que a média de outros 33 países, com uma diferença de 422% para medicamentos com patente. As importações farmacêuticas dos EUA cresceram significativamente, atingindo US$ 213 bilhões em 2024.
A organização do sistema de saúde americano, sem um sistema público como na Europa, e a falta de negociação direta de preços com o governo, são apontadas como razões para os preços mais altos. Em 2015, uma investigação do Senado revelou que companhias maximizavam o lucro, mesmo que isso tornasse os medicamentos inacessíveis.
A capacidade de negociar e regular preços é vista como uma solução, mas nos Estados Unidos, os intermediários, conhecidos como Pharmacy Benefit Managers (PBMs), controlam as negociações, elevando os preços. Rever o sistema de saúde e o papel dos intermediários é considerado essencial.
A regulação dos preços é livre nos EUA, exceto em programas governamentais como o Medicare, que obteve autorização para negociar preços em 2022, e, a partir de 2026, o governo passa a negociar o preço de uma lista de dez medicamentos.
Para aumentar a concorrência e reduzir os preços, sugere-se acelerar a entrada de genéricos no mercado.
Em meio às tarifas impostas pelo governo Trump, a produção de genéricos pode ser impactada, pois depende de insumos importados. A estratégia do presidente de incentivar a transferência da produção para os EUA tem levado empresas farmacêuticas a repensarem suas operações. Algumas companhias já anunciaram investimentos na construção de fábricas em território americano.