O autor francês frisa que, apesar das evidências sobre os benefícios do perdão sobre a saúde, ele não deve ser “imposto” a qualquer custo, e depende do tempo de cada um. “Também não se deve impor o perdão a alguém por questões religiosas. Como hoje sabemos que o perdão faz bem, também há terapeutas que impõem o perdão terapêutico”, diz.
Segundo ele, essa atitude pode ser nociva para o paciente, que se sentira então culpado por não se sentir capaz de perdoar. “O perdão nunca é um dever, nem religioso e nem terapêutico”, continua Lecomte.
Em sua tese, ele também percebeu que a relativização ajudou no processo vivido pelos adultos que foram crianças maltratadas. Alguns de seus entrevistados perceberam que seus avós, por exemplo, era mais violentos do que os pais – o que demonstrava um esforço para não reproduzir o modelo. Ele também lembra que o fato da França ser um país laico, a palavra “perdão” muitas vezes cria um bloqueio por conta de sua conotação religiosa.
É importante também, diz, diferenciar o perdão do esquecimento. Quando se perdoa alguém, lembra o autor, os fatos continuam presentes na memória, mas não influenciam as ações. Jacques Lecomte cita um texto de Nelson Mandela, “Perdoar não é esquecer”, onde o líder sul-africano salienta que é importante lembrar das atrocidades que ocorreram durante o Apartheid, para que elas não voltem a ocorrer.
O autor também se lembra do depoimento de uma mulher que participou de sua pesquisa. Ela contou que levantou a mão para bater em seu filho de cinco anos, mas que não o fez porque viu em sua atitude o gesto de sua própria mãe, que a maltratava. Essa lembrança foi suficiente para que ela nunca mais fosse tomada por esse impulso. O perdão, desta forma, se constrói através da memória, explica o doutor em Psicologia francês.
O processo do perdão é complexo, explica, porque envolve as duas partes. Em alguns casos, não há reconhecimento da culpa, e isso pode ser doloroso. Em outros, de resiliência máxima, não se espera que o outro aceite ter cometido uma falta para perdoá-lo da mesma maneira.
Várias publicações do psicólogo que dirigiu a tese de Lecomte, Etienne Mullet, hoje aposentado, mostraram que o reconhecimento era um facilitador do processo do perdão. A etapa da reconciliação, desta forma, dependerá desse fator. “Às vezes a pessoa sofre mais com o não-reconhecimento do mal causado que com próprio ato”, diz. Seja qual for o caso, e perdoando ou não, não alimentar a raiva, como mostram as pesquisas, só pode trazer benefícios. Por RFI