Para o ex-presidente do Supremo, se parlamentares sustarem a ordem da Corte, haverá “uma fratura institucional exposta”.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, se pronunciou sobre o impasse envolvendo a Corte e o Senado, após os ministros da Primeira Turma decidirem afastar Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato, além de determinar o seu recolhimento domiciliar noturno.
Na última quinta-feira (28), durante discussão no plenário, vários parlamentares ponderaram que a situação é grave e deve ser tratada com prudência, para evitar conflito institucional entre os poderes Legislativo e Judiciário. No entanto, aprovaram requerimento de urgência para revisar, já nesta terça-feira (3), a ordem do Supremo. A maioria dos senadores defende que o afastamento do mineiro não tem respaldo na Constituição.
“Em decisão dividida, parte da Primeira Turma do Supremo invadiu a soberania do Legislativo ao decretar a prisão domiciliar disfarçada de um senador. Invasões pedem reações imediatas”, comentou um parlamentar, pedindo para não ter o nome revelado.
Para Ayres Britto, “o que de pior pode acontecer neste caso é o Senado sustar a eficácia da decisão jurisdicional do Supremo”. “Os senadores não têm competência legal para isso. Seria inconcebível. Se acontecer, abrirá uma fratura institucional exposta”, avaliou.
Ao ser questionado pelo blog do Josias de Souza, do portal Uol, se a postura do Senado é justificával, o ex-presidente do STF disse ser “inteiramente injustificável”. “Sugiro que nos concentremos no que diz a Constituição em matéria de separação dos Poderes. O artigo 2º diz que são três os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa ordem é tão lógica quanto cronológica. Tudo começa com o Legislativo, porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O primeiro princípio regente de toda a administração pública é a legalidade. Tudo começa com a lei. O Executivo, como o nome diz, executa as leis. Para isso, baixa decretos e regulamentos. Tudo na ordem lógica e cronológica. Mas é preciso que haja um Poder que diga se o Legislativo editou as leis de acordo com a Constituição e se o Executivo editou seus decretos e regulamentos de acordo com as leis. Esse Poder é o Judiciário. Tudo afunila para o Judiciário. O Judiciário não governa, mas impede o desgoverno. Isso é lógico, é civilizado. O mundo ocidental democrático se comporta assim”.
Ele reforçou que a última palavra deve ser do Supremo. “Você vai ao artigo 102 da Constituição e verifica que está dito lá: compete ao Supremo a guarda da Constituição. Então, quando o Supremo fala, acabou! Quem quiser recorrer, recorre para o próprio Supremo. Há o habeas corpus, o mandado de segurança, embargos de declaração. O jogo consticucional que pode ser praticado em uma democracia é esse”, explicou.
Ayres Britto ainda destacou que, ao entrar com mandado de segurança no próprio Supremo, Aécio obriga o Senado a suspender qualquer tipo de deliberação nesta terça-feira. “Foi o próprio senador atingido que bateu às portas do Supremo, reconhecendo que cabe ao tribunal dar a última palavra. É mais uma razão para que nesta terça-feira não ocorra deliberação nenhuma por parte do Senado”, afirmou.
Ontem, o PSDB entrou com recurso pedindo ao STF para suspender a determinação de manter Aécio afastado das funções parlamentares.
Ao comentar se havia algum risco de a Primeria Turma ter ultrapassado de suas atribuições ao punir Aécio, Ayres Britto negou. “Basta ler o artigo 102, inciso 1-B. Estabelece que cabe ao Supremo, entre outras coisas, julgar os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns. Você pode dizer: ah, por desencargo de consciência, vou verificar as competências do Congresso, enumeradas no artigo 49 da Constituição. Não há neste trecho nada que habilite o Congresso, seja em reunião conjunta, seja em sessões do Senado ou da Câmara, a sustar atos jurisdicionais do Supremo. Não existe isso. Não tem. Nem poderia ter. Do contrário, a Constituição seria incoerente. O Congresso não tem competência para sustar decisões do Supremo”.
Ainda conforme entrevista concedida pelo ex-presidente do STF ao blog do Josias de Souza, o jurista explicou que o recolhimento domiciliar noturno não se trata de prisão domiciliar.
“Digo que não é porque a Constituição só considera como prisão o trancafiamento em estabelecimento prisional do Estado. Como se não bastasse, a própria lei, deliberadamente, oferece ao julgador um elenco de medidas diversas da prisão, alternativas à prisão. Não é invencionice. Está escrito na lei aprovada pelo Congresso. Então, a Primeira Turma do Supremo não incorreu em nenhuma esdruxularia interpretativa. Nenhuma”, salientou.
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