Variações da pergunta que está no título são algumas das frases mais usadas em nossa língua: “Como vai?”; “Tudo bem?”; “E aí?”. E justamente por serem tão comuns, são aquelas que respondemos no automático – tanto a pergunta quanto a resposta são só rituais desconectados do que está sendo, de fato, dito.
Acaba que não são muitos os momentos em que paramos para responder a essa pergunta com calma e reflexão. E quando o assunto é saúde mental, que é o momento em que essa questão deveria ser central, acaba que nos perdemos em conversas abstratas.
Palavras que deveriam falar diretamente às angústias da condição humana, como depressão e ansiedade, foram transformadas em diagnósticos médicos, com listas de sintomas, valores de prevalência, fatores de risco e proteção, prognóstico e tratamentos.
Aproveitando que estamos no Janeiro Branco, o mês da campanha global de conscientização sobre a importância da saúde mental, que tal você parar agora, respirar fundo e responder, de verdade, como você está?
Bom, talvez você esteja ótimo. Ou talvez esse foco individualista não lhe agrade. Mas tudo bem, o exercício é introspectivo, não precisa ser egoísta.
Como estão as pessoas que você ama, aquelas com quem você convive? E os seus vizinhos, as pessoas que você sempre encontra na padaria ou no parque? Sua comunidade pode ser tão grande ou pequena quanto quiser, mas, como vão todos?
Textos como este são sempre escritos por psiquiatras (é o caso deste) ou psicólogos. Às vezes, por sociólogos ou filósofos. Quem lê o conteúdo, em geral, espera algum insight especial, uma leitura da situação que nos tenha escapado, presos que estamos nas engrenagens do dia a dia. Só que, ultimamente, as interpretações do cenário em que estamos vivendo não são muito animadoras.
O cenário econômico não é promissor. Nas últimas décadas, as novas gerações têm piores perspectivas que seus antecessores, demoram mais para conquistar independência financeira e possuem mais dificuldades para atingir estabilidade econômica.
Há uma intensa transformação no mercado de trabalho, com o desenvolvimento de inteligências artificiais surgindo como um novo desafio. Há incertezas e ansiedades legítimas.
O impacto de novas tecnologias na saúde mental também é sempre difícil de dimensionar, e a literatura científica, desde que as mídias sociais se tornaram parte integral de nossas vidas, traduz essa dificuldade. Dizem os estudos que, embora haja evidências de ganhos e de perdas, parece que existe uma associação entre redes sociais e problemas de saúde mental, especialmente entre jovens.
Mesmo que não haja evidências de uma associação causal, é fato que os índices de tratamento psiquiátrico, automutilação e tentativas de suicídio vêm aumentando em crianças e adolescentes nas últimas décadas.
Outro fenômeno bem documentado é a intensificação da polarização política. Apesar de frequentemente atribuída às redes sociais, o impacto delas pode ser menor do que o que se supõe – o que só indica que existem outros fatores, talvez ainda mais difíceis de resolver, implicados no fenômeno.
Minha intenção é destacar que, ainda que nossas preocupações não possam ser esquecidas, elas não precisam ser paralisantes. Ao contrário. Elas podem nos infundir de propósito e determinação.
Mas, por mais que sejam questões importantes, precisamos reconhecer o quanto elas estão, em grande parte, fora do nosso controle. Por isso a importância da pergunta: “como você está?”. Você e as pessoas à sua volta.
O que você pode fazer para cuidar melhor de si, dos seus relacionamentos e da sua comunidade? Como injetar mais carinho, afeto e cuidado no seu dia a dia?
Isso não é voltar as costas para as grandes questões. É apenas um primeiro e humilde passo para tentar garantir mais segurança e saúde mental. É buscar mais estrutura, apoio e força para, então, enfrentarmos melhor as grandes questões a que escolhermos nos dedicar.
Fonte: Veja Saúde
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