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O governo anunciou essa meta. Mas, para entender se ela é possível, é vital saber o que é a hepatite C, como se pega e quais os tratamentos atuais.
O vírus da hepatite C (VHC) foi descrito pra valer só em 1989, mais de dez anos após a descoberta dos agentes por trás das hepatites A e B. O primeiro tratamento minimamente eficaz contra essa infecção crônica chegou ao público em 1993. Eram as injeções de interferon, que, seis anos depois, ganhariam a companhia dos comprimidos de rivabirina. Em conjunto, os dois garantiam uma taxa de cura de 40%, à custa de pesados efeitos colaterais, como anemia e depressão.
Já em 2013, os brasileiros passaram a contar com os medicamentos boceprevir e telaprevir, que dobravam a chance de se livrar da encrenca, mas ainda dependiam das bombas de interferon e rivabirina. Hoje temos uma nova geração de pílulas, os antivirais de ação direta, que dizimam o VHC em mais de 90% das vezes que são aplicados — e possuem reações adversas brandas.
“Não acho que houve, na Medicina, um período tão curto entre a descoberta de uma doença e a criação de tratamentos curativos na grande maioria dos casos”, contextualiza o hepatologista Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia, e autor do artigo História das Hepatites Virais.
Mais: com a multiplicação das terapias modernas, os azarados que não respondem bem a um combo de remédios têm à sua disposição outros para uma segunda tentativa de extirpar o vírus, o que catapulta o índice de cura para quase 100%. Chegamos ao ponto de Eric Bassetti, gerente médico da Gilead, uma das farmacêuticas que mais investiram em opções contra essa enfermidade, cravar: “A indústria nem está mais pesquisando novas drogas. Os tratamentos atuais são excepcionais, e não me refiro somente aos nossos”.
Com armas tão potentes, algumas disponíveis na rede pública, o governo lançou o Plano de Eliminação da Hepatite C. Baseado em uma proposta da Organização Mundial da Saúde, ele almeja reduzir o número de novas infecções em 90% até 2030 — em 2017, foram 24 460 episódios registrados. Ué, eliminar não significa zerar a quantidade de casos? “O plano visa eliminar a doença como um problema de saúde pública, e não erradicá-la, o que só seria possível se houvesse uma vacina”, esclarece Adele Benzaken, diretora do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
Como se pega o vírus da hepatite C, o que ele causa… e o contra-ataque
1) Esse inimigo invade o corpo pelo sangue contaminado. Um de seus destinos é o hepatócito, uma célula do fígado.
2) Na sua nova casa, o vírus cria inúmeras cópias de si — e, no processo, destrói o hepatócito. Com os anos, e em silêncio, essas lesões no fígado provocam cirrose ou câncer.
3) As drogas atuais, ou a combinação de algumas delas, bloqueiam, de uma só vez, diferentes proteínas do agente infeccioso que permitem sua replicação. Sem se multiplicar, ele some do organismo.
O que o governo vai fazer quanto ao tratamento
Para cumprir seu objetivo, o governo pretende, de 2019 a 2024, tratar 50 mil vítimas da hepatite C por ano. De 2025 a 2030, seriam 32 mil tratamentos anuais.
E uma mudança recente promete democratizar mais o atendimento. Antes de março, o Sistema Público de Saúde (SUS) disponibilizava medicações somente para os indivíduos com a doença que tinham lesões hepáticas consideráveis. Agora, qualquer um que carregue o VHC no corpo poderá tomar os antivirais de ação direta logo de cara.
“É uma mudança essencial, porque os remédios eliminam o vírus, e não seus estragos”, diferencia o infectologista Alberto Chebabo, do SalomãoZoppi Diagnósticos. Pois é: se carrega muitas cicatrizes no fígado, uma pessoa talvez apresente complicações da hepatite C mesmo após estar curada.
Aliás, está aí um motivo pelo qual o Ministério da Saúde também não prevê liquidar o número de mortes. A meta é diminuir a mortalidade em 65% até 2030. De 2000 a 2016, mais de 23 mil brasileiros faleceram em decorrência dessa moléstia — o que representa 75% dos óbitos por hepatites virais em geral. Resumindo: o uso dos fármacos nos quadros iniciais vai evitar sequelas e mortes.
Mas não é apenas por isso que seu acesso foi expandido. “Uma vez curado, o sujeito para de transmitir o vírus”, afirma Chebabo.
Por Theo Ruprecht
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