Uma divisão da bancada kirchnerista da Câmara dos Deputados aproximou o presidente Mauricio Macri dos votos necessários para aprovar no Parlamento uma série de medidas tomadas por decreto. A crise peronista, com a saída de 14 parlamentares da Frente Para a Vitória (FPV) na quarta-feira, se agravou nesta quinta-feira. O bloco fiel à ex-presidente Cristina Kirchner, que deixou de ser o maior da Casa, denunciou traição.
A fissura deixa a FPV com 81 das 257 cadeiras, sem chance de concretizar seu objetivo de bloquear qualquer projeto governista. A coalizão de centro-direita Cambiemos, que elegeu Macri, tem 90. Com o possível apoio de opositores moderados, o presidente reverte um quadro de desvantagem em votações de leis decisivas a partir de março, quando o Congresso volta à ativa.
Um dos líderes do recém formado Bloco Peronista, Diego Bossio, foi um dos chefes de campanha de Daniel Scioli, derrotado por Macri em novembro. Por isso, tornou-se o principal alvo dos seguidores de Cristina. A organização juvenil La Cámpora, liderada pelo deputado Máximo Kirchner, filho da ex-presidente, publicou ontem no Facebook o telefone do dissidente e sugeriu: “Você, que deu a alma militando para que Macri não ganhe, diga a ele (Bossio) o que pensa”.
O deputado recebeu centenas de mensagens ofensivas por telefone. O mesmo ocorreu na rede social Twitter, onde os recados mais moderados o chamavam de traidor e exigiam sua renúncia. O outro criador do novo grupo parlamentar é o governador de Salta, José Urtubey, um peronista que defende o foco em gestão eficiente, em contraposição ao embate ideológico alimentado pelo kirchnerismo.
O novo bloco prega uma “oposição responsável”, aproximando-se assim dos peronistas dissidentes liderados por Sérgio Massa, que tem 31 deputados e promete apoiar Macri em temas cruciais. A nova distribuição parlamentar permitiria ao presidente derrubar uma lei que emperra um acordo com os fundos abutres, credores que não aceitaram a renegociação da dívida argentina. Isso afasta o país de créditos internacionais que o governo promete usar em infraestrutura. Também facilitaria a consumação da medida de Macri contra a parte da Lei de Mídia que obriga a divisão de grandes grupos de comunicação.
Analistas consideram a debandada no grupo fiel a Cristina o início de uma tendência. “Esse novo grupo será o fiel da balança e é provável que ganhe adesões até a eleição parlamentar de 2017, quando metade da Câmara será renovada”, prevê o cientista político Raúl Aragón.
Na avaliação do analista Federico González, o surpreendente não é a ruptura, mas o momento. “É natural que o kirchnerismo fora do poder perca força. Mas essa era justamente uma hora em que a lua de mel geral com Macri havia terminado, o que poderia unir os peronistas”, disse ao Estado.
Com o Congresso em recesso, Macri governa há dois meses por decreto. Ele usou um deles para nomear dois juízes provisoriamente para a Corte Suprema, ação que dividiu sua própria base e o fez recuar. O presidente ainda ordenou uma leva de demissões de servidores públicos que o colocou contra parte do eleitorado independente.
Em outra ação contestada, o governo quer controlar o reajuste de salários previsto para março e negociado por categoria. Isso tornou Macri alvo de sindicalistas que ajudaram em sua eleição, como Hugo Moyano, que cita o aumento na conta de luz até 7 vezes – decorrente do corte de subsídios mantidos por Cristina –, para um aumento de pelo menos 35%. Ao prever uma inflação de até 25% para 2016, o governo tenta colocar um teto.
No Senado, a FPV tem 42 dos 72 senadores, mas 30 deles são comandados por um peronista moderado, Miguel Pichetto, que já prometeu a Macri colaborar na aprovação de temas complexos.
(Por RODRIGO CAVALHEIRO, CORRESPONDENTE / BUENOS AIRES – O ESTADO DE S.PAULO)