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Com seu líder fora de combate, o bolsonarismo viveu os primeiros dias do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em clima de desorientação e esfarelamento, com desmobilização nas ruas e nas redes sociais, enquanto Jair Bolsonaro (PL) aproveita férias nos Estados Unidos.
A base arregimentada pelo ex-presidente refluiu no início do mandato do arquirrival na Presidência, com a agitação virtual longe dos patamares até então comuns e políticos outrora aliados buscando descolamento -num processo que ainda não se sabe se é passageiro ou definitivo.
Bolsonaro, que deixou o Brasil dois dias antes de Lula assumir, foi ignorado nos discursos de posse de dois dos governadores do Sudeste que o apoiaram no segundo turno, Cláudio Castro (PL-RJ) e Romeu Zema (Novo-MG), e recebeu agradecimento apenas de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
O ex-ministro da Infraestrutura que o ex-presidente lançou candidato ao governo paulista mencionou o padrinho em seus dois discursos no dia 1º, enumerou resultados econômicos da gestão federal e lembrou que só avançou na carreira política graças ao ex-chefe.
Após expressar gratidão, não indicou como fica a ligação entre eles daqui para a frente -e disse esperar uma relação “profissional, republicana e cordial” com Lula, em gesto de pacificação e diálogo.
Na posse de Tarcísio, dois aliados do círculo íntimo de Bolsonaro que conversaram reservadamente com a Folha de S.Paulo foram lacônicos ao serem indagados sobre o retorno do ex-presidente e tampouco demonstraram entusiasmo com uma candidatura dele em 2026, dizendo que a decisão depende do próprio.
Com a inevitável subida do petista pela rampa do Palácio do Planalto, bolsonaristas radicais que acampavam em frente a quartéis com pedidos de intervenção das Forças Armadas desmontavam tendas e iam embora. Em parte dos locais, as vigílias persistem, impulsionadas por teses delirantes como as de que a posse de Lula foi uma encenação ou que o general Augusto Heleno virou presidente.
O descontentamento com o líder foi evoluindo: primeiro veio o silêncio de Bolsonaro e a reclusão no Palácio da Alvorada, depois brotaram sinais interpretados como indícios de uma agitação golpista que nunca se concretizou e, por fim, a viagem sem data de volta para a Flórida, depois de uma live em que sugeriu aos apoiadores seguirem a vida mesmo com a derrota nas urnas.
Sem uma mensagem clara para unificar o grupo, a desagregação imperou e deixou evidente um movimento em curso desde a eleição: expoentes da direita que se desiludiram com Bolsonaro (ou o apoiaram menos por afinidade plena e mais por rejeição a Lula) querem opções mais civilizadas para votarem.
A aspiração foi reforçada por nomes como o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz. Ex-ministro de Bolsonaro, ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo que o ex-presidente é “um extremista populista” que “não tem condições de ser líder da direita” e ajudou a destruir esse campo político.
Tachado como traidor desde o rompimento com o ex-mandatário, Santos Cruz faz parte de uma lista em expansão. O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), antes apoiador fervoroso de Bolsonaro, prestigiou posses de ministros de Lula e falou em “virar a página”. Outros parlamentares que já foram próximos do bolsonarismo também começaram a construir pontes com o novo governo.
O tom de que é preciso superar Bolsonaro foi dado também por seu vice, o senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Na noite de Réveillon, ele foi à TV para, sem citar o ex-aliado, apontar erros de “lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país” e não o fizeram.
Os filhos políticos do ex-chefe do Executivo logo reagiram. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou as redes para mencionar máscaras caindo, e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) afirmou que não via “nenhuma novidade vinda desse que [eu] sempre disse que era um bosta!”.
Eduardo e Carlos reverberaram críticas ao governo Lula ao longo dos últimos dias, mas foram malsucedidos na difusão de narrativas originais bolsonaristas, que em outros tempos eram capazes de pautar o debate público. A maior parte das mensagens foram comentários sobre notícias.
Dos EUA, Bolsonaro pai pareceu mais interessado em descansar e acenar para brasileiros que visitam a frente da casa onde está hospedado, pertencente ao ex-lutador de MMA José Aldo. Mandou recados esparsos, como o desejo de “torcer pelo nosso Brasil” dito em um vídeo com um apoiador.
No Índice de Popularidade Digital (IPD), indicador monitorado diariamente pela empresa de pesquisa e consultoria Quaest, Bolsonaro continua em tendência de baixa. Na quinta-feira (6), ele tinha 40,5 pontos na métrica, que vai de 0 a 100. Na campanha, com a popularidade em patamar superior, chegou a marcar 88,1. Lula registrava 67 pontos na quinta.
Outro indicador da Quaest mensurou o peso do bolsonarismo no noticiário político entre agosto de 2022 e este mês. O dado mostra que esse grupo, antes exitoso em ditar a agenda do país, perdeu o lugar para as discussões em torno de Lula e sua equipe.
O bolsonarismo pautava em média 67% das conversas no primeiro turno. Na primeira semana de janeiro, o percentual caiu para 33%. A proporção se inverte quando se observa o protagonismo do chamado lulismo. Questões ligadas ao petista pautam 67% dos conteúdos hoje, ante 33% na época da eleição.
Para analistas e pesquisadores, é fato que a passagem de Bolsonaro consolidou no país uma direita que agora se reorganiza entre radicais e moderados, com visões e plataformas distintas. A dúvida é se o ex-presidente manterá relevância sem o suporte da máquina pública ou verá seu espólio sendo disputado por figuras que ajudou a empoderar.
Estudiosa do bolsonarismo, a cientista política Esther Solano diz que esse universo político e social passa por um momento de redefinição. O futuro, segundo a professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), envolve o destino do próprio ex-presidente e o surgimento de alternativas.
“Ele tem poder convocatório, principalmente com sua base mais ideológica, mas perdeu potencial mobilizador ao ficar em silêncio após a derrota e fugir para os EUA. O campo de valores aglutinado por ele permanece, porém já discutimos um ‘bolsonarismo 2.0’, que eventualmente passe por um outro líder”, afirma.
Para Esther, o desnorteio atual está relacionado à falta de diretrizes do comando central, que atinge principalmente os fanatizados, mas também ao que chama de inatividade política de uma parcela mais moderada, que vinha demonstrando certa estafa com a temática em pesquisas feitas por ela.
“O que ocorre é um descolamento entre radicais e moderados”, diz, explicando que no contexto eleitoral os dois conjuntos se uniram para apoiar o candidato que, mesmo com ressalvas, era o que melhor os representava. “Nas minhas entrevistas, ouço os moderados descontentes com o golpismo do outro grupo, que, por sua vez, se frustrou com o silêncio de Bolsonaro e, no vácuo, ficou sem saber como agir.”
Por Folhapress
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