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Os termos “enzima sistêmica intramuscular” e “enzima de emagrecimento” ganharam redes sociais como o TikTok nos últimos dias. O grupo de substâncias que comercialmente recebe esse nome por acelerar o metabolismo, porém, é controversa no meio médico. A SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) declara que não há estudos que comprovem a “eficácia e muito menos a segurança” desses procedimentos injetáveis.
As supostas “enzimas” usadas nos tratamentos estéticos trazem vitaminas e substâncias não especificadas. Em casos extremos, centros de emagrecimento aplicam hormônios para tireóide e testosterona em pacientes para provocar o efeito prometido.
Sem se identificar, a Folha de S.Paulo entrou em contato com duas redes de estética, uma de São Paulo e outra de Minas Gerais, e perguntou quais as substâncias mais usadas na enzima intramuscular. As duas negaram a informação e disseram que a combinação depende de avaliação individual.
Uma delas definiu as enzimas como “ativos que promovem redução de gordura localizada, emagrecimento e até ganho de massa”, utilizando até cinco substâncias. A outra chamou de “aceleradores metabólicos com várias substâncias”. As duas disseram não usar hormônios.
A tiktoker Eliza Martins Costa, de Belém (PA), perdeu um rim depois de injetar enzimas no abdômen. Em seu relato, compartilhado em seu perfil em redes sociais, Eliza mostra uma conversa em que profissional responsável pelo procedimento afirma que a combinação utilizada por ela continha silício, cafeína, chá verde, colágeno, vitamina B12 e queratina.
“Parece que foi algo pesquisado na internet e tentaram passar para mim”, comenta a vítima na mesma gravação.
Por definição, enzimas são proteínas que aceleram o metabolismo, mas, de acordo com o médico endocrinologista Lucas do Prado Palmiro, formado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), nem tudo que é vendido no mercado estético com esse nome é de fato enzimático.
Palmiro aplica enzimas em seu consultório e defende que as composições são eficazes, com resultados que “até parecem mágica”, desde que bem receitados.
“Quando a gente fala em enzimas de emagrecimento, passa de 100 medicamentos diferentes e a gama de produtos é cada vez maior. O problema na realidade é chamar de enzima tudo que compreende uma série de vitaminas e medicamentos”, pontua.
Para o profissional, o tratamento enzimático injetável, seja local, venal ou intramuscular, só deve ser feito por quem sabe receitar e tratar resultados adversos – ou seja médicos especializados. “É a mesma coisa perguntar se remédio para emagrecer é seguro. Se o médico souber escolher os remédios certos, na dose certa, para a pessoa certa, o resultado é fantástico”, diz Palmiro.
O endócrino manipula todas as suas mesclas e não recomenda fórmulas prontas. Ele reconhece que não há trabalhos científicos suficientes sobre as combinações, mas afirma que individualmente são substâncias conhecidas da prática médica, ficando a composição mais sujeita à experiência do médico que à industrialização do produto.
Ele indica o tratamento para quem precisa emagrecer, mas não controla a compulsividade alimentar apenas com alteração do estilo de vida, passa mal com ingestão de cápsulas ou quer aumentar a taxa do metabolismo.
A biomédica do Kurma Spa de São Paulo Elis Xavier, formada pelo Instituto Sostener, trabalha com enzimas há 10 anos e também considera o método seguro. Ela prefere manipular as mesclas de “ativos” para evitar intercorrências e reações.
“Eu monto a receita, que é anexada na ficha do meu cliente, e ele tem acompanhamento de tudo. Se tem patologia ou toma remédio de uso contínuo, faço contato com médico dele e juntos alinhamos o melhor tratamento”, afirma.
Alguns protocolos de tratamento enzimático manipulado usados em clínicas contém itens como vitamina B12, lipossoma de desoxicolato de sódio, lidocaína, trisilanol, ácido alfa lipoico, óleo de girassol, cafeína, pentoxifilina, benzopirona, complexo B1 e ácido desoxicólico, entre outros. As subtâncias são combinadas de diferentes formas e podem causar reações se associadas entre elas de forma inadequada.
Licio Velloso, professor titular de medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, afirma que nenhuma dessas substâncias são enzimas por definição.
“São vários produtos químicos como sais, lipossomos e cafeína. Nenhuma sociedade de endocrinologia no mundo aprova tais substâncias para o tratamento da obesidade”, diz Velloso.
O professor reforça que médicos devem evitar a prescrição de itens não aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “Ao prescrever tais substâncias o profissional coloca em risco a integridade física do paciente”, aponta Velloso.
Glaucia Carneiro, professora adjunta da disciplina de Endocrinologia da Unifesp, concorda com a SBEM e com Velloso. Chefe do setor de obesidade do Hospital da Unifesp, Carneiro diz que o emagrecimento não deve seguir apenas fins estéticos e precisa ser acompanhado por especialistas treinados para tratar obesidade.
“Não existe medicamento intramuscular aprovado nem na Anvisa, nem no mundo. Estão aprovados hoje apenas quatro medicamentos para tratar obesidade no Brasil, mas nenhum desses são de uso exógeno, aplicação de enzimas ou classificados como enzima sistêmica”, afirma a médica.
Carneiro aponta que essas medicações só podem ser prescritas por médico com receituário de controle especial, pois podem ter efeitos colaterais indesejados. O paciente deve sempre receber o termo com os riscos associados.
O Departamento de Obesidade da SBEM declara que hormônios como testosterona e de tireoide não devem ser usados para perda de peso, eliminação de gordura localizada ou aumento de massa muscular, apenas como tratamento para deficiência hormonal. As consequências do uso indevido vão de acne até o surgimento de características masculinas exageradas e dano cardiovascular.
O hormônio tireoidiano aumenta o metabolismo e reduz gordura, mas também causa declínio de massa magra e pode levar a arritmia cardíaca e morte súbita. Combos enzimáticos com diuréticos podem levar à desidratação e comprometimento dos rins, afirma a instituição.
Por Folhapress
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