Entrada do novo escritório do Google Brasil em São Paulo. (Foto: Amanda Demetrio/G1)
O Google ganhou uma ação contra o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e a União Brasileira de Editoras de Música (Ubem), e deverá pagar fatia menor que a pedida pelas entidades brasileiras por direitos autorais de clipes no YouTube. A juíza Maria Cristina de Brito Lima, do Tribunal de Justiça do Rio, deu a sentença na terça-feira (22).
Ainda cabe recurso. O G1 entrou em contato com representantes do Ecad e da Ubem para saber se eles vão recorrer, mas não teve resposta. A decisão é uma vitória importante para o Google em uma disputa que se arrasta há três anos, envolve músicos como Caetano Veloso e Gilberto Gil e deixa congelado o repasse a autores pelos clipes.
O Ecad é responsável por recolher direitos autorais no Brasil relativos a execução pública de músicas (como em shows e em festas). Mas a decisão judicial considera de que clipes no YouTube não são forma de execução pública, e sim reprodução individual – portanto o Ecad não atua nesse caso. A juíza diz que o Google deve pagar aos autores brasileiros pelos clipes através das editoras musicais, que são as empresas que negociam as suas composições.
As editoras brasileiras ligadas à Ubem queriam 4,8% da receita publicitária dos clipes tocados no YouTube. A decisão foi pelo valor proposto pelo Google, de 3,7%.
Ecad só em transmissões ao vivo
O único caso em que o Google deve pagar ao Ecad, diz a decisão, é o de transmissão ao vivo de shows ou outros conteúdos musicais. A fatia a ser paga, nesse caso, é de 1% da publicidade dos vídeos. Além disso, a juíza condenou a Ubem e o Ecad a pagar custos do processo e honorário aos advogados do Google na ação.
A decisão é mais uma na Justiça brasileira que indica que o streaming sob demanda, forma de consumo de música que mais cresce no mundo, não deve ser entendido como execução pública nem ter pagamentos mediados pelo Ecad. Mas ainda não há uma decisão definitiva Supremo Tribunal de Justiça sobre o tema.
Por fim, a juíza ainda deu razão ao Google na disputa pela forma de trocar informações sobre as músicas que devem receber os direitos autorais. A Ubem e o Ecad devem enviar a cada 3 meses a lista de músicas de seu acervo, e o Google enviará, cinco dias depois, o número de acessos das músicas, para a distribuição de direitos autorais. “É necessário que haja uma maior transparência no fornecimento de informações”, diz a decisão.
O Google já depositou ao menos R$ 8,8 milhões em juízo como garantia da intenção de pagar aos músicos, desde que as regras de repasse fiquem claras, segundo a empresa.
“A Lei De Direitos Autorais não dá ao órgão a competência para, unilateralmente, criar o quanto deve ser cobrado e como deve ser cobrado, pois somente estipula a função de arrecadar e distribuir”, diz a juíza.
Entenda o caso
O Google força autores a aceitar “qualquer coisa”, dizema empresária Paula Lavigne (Procure Saber) e executivos brasileiros dos braços editoriais das três grandes gravadoras do mundo: João Pereira (Warner), Marcelo Falcão (Universal) e Aloysio Reis (Sony), da União Brasileira de Editoras de Música (Ubem) – o último também da UBC (União Brasileira de Compositores).
O Google se entendeu com gravadoras e paga em dia a parte relativa a artistas que lançam as músicas. O problema é a parte dos compositores. Exemplo: Marcos & Bellutti ganharam certinho pelos 120 milhões de cliques em “Domingo de manhã”. Já o compositor do hit, Bruno Caliman, ainda não recebeu sua parte, graças ao impasse entre Google e grandes editoras.
Como surgiu o impasse milionário?
O Google pagou ao Ecad entre 2010 e 2012. Depois que o acordo venceu, a empresa quis rever a definição de se o YouTube é mesmo execução pública. Outros serviços de streaming já questionaram a mesma coisa. A maioria das decisões é de que streaming não é execução pública, mas ainda não há decisão definitiva no Superior Tribunal de Justiça (saiba mais).
O Ecad e a Ubem, que reúne as maiores editoras do país, tinham um acordo até 2015: a primeira repassaria 75% dos direitos autorais de streaming, e a segunda, 25%, em parcela relativa a execução pública. É este, exatamente, o percentual da discórdia, que o Google se recusa a pagar sem definição da Justiça.
Vai pagar quanto?
O acordo inicial previa repasse total de 4,8% do faturamento do Google com a publicidade nos vídeos do YouTube. Isso significa que, ao contestar os 25% desse total de 4,8%, o Google oferece cerca de 3,7% da publicidade (o faturamento não tem valor divulgado).
Antes da decisão, executivos das editoras disseram que a empresa deveria pagar os 4,8%, cumprindo o acordo inicial, sendo ou não relativos a execução pública. “É uma humilhação que o brasileiro receba muito menos que o resto do mundo”, diz João Pereira. O Google nega, dizendo que a parcela no Brasil é maior que vários países da América Latina.
Já o Ecad reafirmou sua posição de que streaming não é serviço individual. “Se a transmissão pela internet tem por finalidade que a pessoa escute a música, e não que tenha cópia de arquivo (download), é execução pública”, diz a superintendente Gloria Braga. Ela exalta a representatividade do Ecad, que já arrecada neste setor para todos os autores brasileiros há mais de quatro décadas.
Acordos paralelos
O Google fechou neste ano com editoras brasileiras menores, que não fazem parte da Ubem, e já paga a elas direitos autorais do YouTube – na proporção que defende na Justiça. O Procure Saber vê isso como pressão para entidades maiores aceitarem um acordo desfavorável.
Estas editoras de fora da Ubem defendem a decisão de receber já os 75%, enquanto os 25% não são definidos. “Greve de fome para negociar é só para quem tem capital para espera.Eles representam só grandes autores que podem esperar para receber”, diz Daniel Campello Queiroz, da CQRights. Editoras novas e as chamadas agregadoras digitais têm atraído artistas antes das majors. A CQRights, por exemplo, representa Zeca Pagodinho e outros.
Após a decisão desta terça-feira, Daniel Campello disse ao G1: “A acertada decisão é mais uma demonstração da insesatez das editores multinacionais brasileiras, que em busca de um lucro desenfreado deixam os autores sem receber nada. Agora, depois de mais de 3 anos de espera, a condenação se deu exatamente nos patamares que a Google já queria pagar. Esperamos, ao menos, que as editoras não recorram para que o fluxo econômico do maior usuário de música no mundo possa ocorrer.”
(Do G1, em São Paulo)