Uma mulher coloca um buquê de flores perto do local onde um caminhão atropelou multidão em Nice (Foto: REUTERS/Pascal Rossignol)
A França é um dos países ocidentais que mais têm sido alvo de atentados ligados ao radicalismo islâmico nos últimos tempos. Apenas em 2015, o terrorismo matou 149 pessoas e deixou centenas de feridos, segundo dados do parlamento francês.
Isso sem contar os vários projetos de atentados interceptados a tempo pelos serviços de inteligência do país: mais de dez desde os ataques de janeiro de 2015, de acordo com as autoridades.
Em março deste ano, por exemplo, a polícia prendeu um suspeito nos arredores de Paris que detinha um importante arsenal de armas de guerra, dezenas de quilos de material explosivo e milhares de bolinhas de aço, que ampliam o impacto destrutor de bombas.
Na noite desta sexta-feira, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, declarou que o autor do atentado na noite de quinta-feira em Nice, o franco-tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel, “é, sem dúvida, ligado ao islamismo radical”. Na manhã deste sábado o grupo autointitulado Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pela atrocidade.
“A França é hoje, claramente, o país mais ameaçado. Um dos números da revista em francês do Estado Islâmico, Dar al Islam, tinha a manchete: ‘Que Alá amaldiçoe a França'”, afirmou Patrick Calvar, diretor-geral do Departamento Geral de Segurança Interna (DGSI) da França, o serviço de inteligência do país, a uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os atentados de 2015.
Pessoas saem em choque da casa de shows Bataclan, alvo de ataque terrorista em Paris (Foto: Kenzo Tribouillard/AFP)
Há várias razões que explicam por que a França se tornou um alvo constante de ataques.
A primeira delas são as recentes operações militares em países como a Síria e o Iraque, contra o Estado Islâmico, e no Mali, que também visam radicais islâmicos.
Outra razão é o fato de a França ter a maior comunidade muçulmana da Europa, estimada em 6 milhões de pessoas, o que corresponde a quase 10% de sua população.
Essa população imigrante ou nascida na França de origem estrangeira sofre há décadas problemas de integração e é, em boa parte, desfavorecida socialmente.
Residem em áreas que concentram uma população imigrante de baixa renda, o que cria verdadeiros guetos e favorece o comunitarismo, acirrando o sentimento de exclusão social.
Nessas periferias consideradas problemáticas, as taxas de desemprego são maiores do que a média nacional.
Os autores dos últimos atentados e projetos de ataques na França têm um perfil semelhante: fracasso escolar e profissional, com “bicos” ou empregos de baixa qualificação, condenações na Justiça por crimes de violência, tráfico ou roubo. E, em boa parte dos casos, radicalização na prisão.
A França é o país europeu de onde mais saíram jovens para se aliar ao Estado Islâmico na Síria ou no Iraque.
Segundo o governo, cerca de 1,8 mil franceses estariam implicados em movimentos jihadistas nos dois países. Em torno de 600 ainda estariam neles. Desse total, mais de 200 são mulheres, número que vem crescendo nos últimos meses.
Durante muito tempo, inclusive após os atentados contra a revista satírica Charlie Hebdo e o supermercado judaico, em janeiro de 2015, clérigos muçulmanos ainda faziam livremente discursos considerados radicais.
Marcas de tiros são vistas no vidro do caminhão que atropelou centenas de pessoas que celebravam o dia da queda da bastilha em Nice, na França, no dia seguinte do ataque. Mais de 80 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas (Foto: Eric Gaillard/Reuters)
Lei da laicidade
O modelo do multiculturalismo adotado em outros países europeus não é aplicado na França em razão da lei da laicidade, de 1905, que determina a separação entre o Estado e a Igreja.
Dessa forma, o Estado francês não pode oferecer serviços públicos específicos para determinada comunidade religiosa ou financiar a construção de mesquitas.
Foi com base nessa lei que foi aprovada, em 2004, a proibição de usar símbolos religiosos nas escolas públicas ou ainda, em 2010, o uso do niqab (véu islâmico que deixa apenas os olhos à mostra). Orações em grupo nas ruas foram proibidas em 2011.
Quando essas leis foram aprovadas no país, líderes de grupos islâmicos radicais proferiram ameaças contra o país.
A lei da laicidade sempre suscita discussões polêmicas na França, como a questão de servir ou não carne de porco (não consumida por muçulmanos) nas cantinas escolares.
A cultura laica do Estado francês é utilizada por radicais islâmicos como uma espécie de arma de propaganda para reafirmar a identidade muçulmana e reforçar, ao mesmo tempo, o sentimento de exclusão de muitos jovens.
“Nós sabemos que o Estado Islâmico planeja novos ataques e que a França é claramente visada”, ressaltou Calvar aos parlamentares.
(Da BBC)