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Grupo de cientistas questiona cobertura do SUS para tratamento com homeopatia. Movimento que tirou tratamento com diluição do sistema público de saúde no Reino Unido e na Austrália inspira iniciativa semelhante no Brasil.
Quase 40 anos após ser reconhecida como prática médica no Brasil, a cobertura da homeopatia no Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo questionada por um grupo de cientistas brasileiros.
O movimento, adepto a tendências internacionais ocorridas no Reino Unido e na Austrália, chegou ao Brasil no mês passado, após o lançamento de uma campanha do Instituto Questão de Ciência (IQC). A Associação Médica Homeopática Brasileira critica o movimento.
O grupo já fez uma representação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Conselho Federal de Medicina (CFM) questionando a validade científica da homeopatia, e pedindo que a prática seja retirada do rol de atendimentos públicos no país.
— Estamos exigindo que eles acolham as evidências científicas de que a homeopatia não funciona. É dinheiro dos contribuintes que não está sendo usado da forma mais racional, porque as soluções homeopáticas são preparadas com diluições que não têm uma única molécula da substância original — critica Natália Pasternak, bióloga e presidente do IQC.
Fundado em 2018, o IQC é uma organização sem fins lucrativos, formado médicos, físicos, biólogos e químicos. A entidade se autodenomina o “primeiro instituto no país voltado para a defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas”. Natália é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e fundadora da iniciativa “Cientistas Explicam”, que oferece palestras para universidades e institutos de pesquisa. Ela tem PhD com pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias, pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
O princípio da ultra diluição da homeopatia deu origem ao nome da campanha, 10²³, em referência ao número de Avogadro, uma constante química que representa a maior diluição possível de um composto no qual ainda possa restar uma molécula da solução original.
— As soluções da homeopatia são preparadas em diluições muito maiores do que 10²³. Quando se faz uma análise química desses remédios, só tem água e açúcar. — A homeopatia é perigosa porque direciona o paciente a se tratar com uma técnica que não vai curá-lo, e que talvez alivie os sintomas por uma questão de efeito placebo — defende Natália.
O movimento brasileiro para banir a homeopatia do SUS é inspirado no que ocorreu internacionalmente. O Reino Unido, por exemplo, retirou totalmente a prática do National Health Service (NHS) – sistema público de saúde britânico – no ano passado. De acordo com Michael Marshall, diretor de projetos da Good Thing Society, ONG responsável pela briga contra a homeopatia no Reino Unido, o fim da prática foi impulsionado com a revelação de que os britânicos usaram, em 2014, 5 milhões de libras com a homeopatia.
— Não banimos a homeopatia, as pessoas são bem-vindas para usarem o seu dinheiro. Mas, agora, as pessoas que querem usar a homeopatia o fazem pelo sistema particular. E cada taxa paga pelo consumidor não é usada para isso.
No mesmo ritmo do Reino Unido, a Austrália também travou uma discussão contra terapias complementares. Em 2012, um grupo de cientistas iniciou uma campanha direcionada às universidades e aos seguros privados de saúde, uma vez que eles recebem taxas diretas dos contribuintes. A ideia, segundo Loretta Marron, física e uma das representantes da Friends of Sciense in Medicine, era pedir que os diretores das escolas revisassem a formação dos futuros médicos com “pseudo-ciência”. No mesmo ano, o National Health and Medical Research Council (Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica australiano) anunciou que revisaria 17 terapias naturais.
— Mas foi em abril de 2019 que as 17 terapias naturais analisadas (incluindo a homeopatia) deixaram de ser subsidiadas pelos descontos do seguro privado de saúde. Além disso, a Sociedade Farmacêutica da Austrália não apoia a venda de produtos homeopáticos em farmácias — explica.
Revisão técnica
No Brasil, a homeopatia no SUS está inserida na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que tem o recurso vinculado ao Piso da Atenção Básica de cada município.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2018 foram destinados R$ 17,6 bilhões para a Atenção Básica de todo o país (13,5% do orçamento total do SUS, de R$ 130,4 bilhões), valor que é gerenciado individualmente por cada estado ou município considerando as necessidades de atendimento local. Ainda de acordo com o ministério, as terapias integrativas do SUS estão passando por revisão técnica. “A pasta irá manter na lista dos serviços ofertados as práticas que obtiverem evidências científicas sólidas de efetividade para a prevenção de doenças.”
Após a carta de representação, a Anvisa afirmou ao IQC que não é sua atribuição “a inclusão ou exclusão de terapias ou procedimentos, nem mesmo dos medicamentos a serem fornecidos pelo SUS”. À reportagem, o Conselho Federal de Medicina informou que o documento enviado pelo IQC foi encaminhado para análise técnica.
Gasto irrisório
Um estudo realizado pelo Observatório Nacional de Saberes e Práticas Integrativas da Fiocruz em Pernambuco mapeou de forma mais detalhada os blocos de financiamento do SUS em 2017. Segundo os dados, dos R$ 120,36 bilhões repassados a todo o sistema de saúde naquele ano, R$ 33 bilhões foram usados para pagamento de procedimentos ambulatoriais e hospitalares, enquanto R$ 2,6 milhões foram gastos com práticas integrativas pelos municípios – o que corresponde a 0,008% do total dos procedimentos hospitalares.
— O gasto é irrisório, tendo em vista que no Brasil não há investimento indutor em práticas integrativas. Não tem recurso específico para essas práticas, muito menos para a homeopatia — critica Islândia Carvalho, responsável pelo estudo da Fiocruz.
Atualmente, há 2.900 médicos homeopatas no Brasil, responsáveis pelo atendimento de 50 milhões de pessoas – 1/4 da população, de acordo com a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB). Para o homeopata e presidente da AMHB, Luiz Darcy Siqueira, o movimento antihomeopatia é uma resposta ao crescimento da prática no país.
— As pessoas estão diminuindo o uso de medicamentos e, logicamente, isso afeta a big farma. Não existe esse movimento na Índia, por exemplo, onde a medicina convencional é muito cara e nem todo mundo tem acesso.
O médico defende que, desde 1796, quando o alemão Samuel Hahnemann fez os primeiros experimentos sobre homeopatia, há ensaios que comprovam sua eficácia. Um deles seria, segundo Siqueira, um estudo realizado sobre estrogênio potencializado no tratamento homeopático da dor pélvica em mulheres com endometriose, publicado na Revista de Homeopatia, em 2017.
— Eles (os grupos antihomeopatia) falam que é só diluição. Não é apenas. Existe diluição e agitação das moléculas, que em contato com a água tem uma reação especial com hidrogênio e oxigênio. O remédio carrega a memória dessa substância e, quando passamos para outro frasco, a informação vai passando — explica Siqueira.
Só em São Paulo, a homeopatia está disponível em 19 postos de saúde pública. Entre 2015 e 2019, foram realizadas, em média, 20 mil consultas ao ano. Em contrapartida, na Faculdade de Medicina da USP, uma das maiores do país, a disciplina homeopatia foi oferecida como optativa nos últimos três anos, mas não teve adesão dos alunos, segundo a universidade. (Por Magno Martins)