Germana Soares, mãe de Guilherme, que possui microcefalia (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Foi no dia 19 de novembro do ano passado que a vida da pernambucana Germana Soares Amorim, de 25 anos, mudou completamente. Não apenas porque, naquela data, a ex-corretora de imóveis tornava-se mãe pela primeira vez, mas também porque o filho dela nasceu com microcefalia. Guilherme é um dos 389 bebês que possuem a malformação cerebral confirmada no estado, segundo boletim da Secretaria Estadual de Saúde que reúne os casos registrados até o dia 8 de outubro deste ano.
“Quatro dias antes de Guilherme nascer foi que surgiu na mídia a associação entre o zika e a microcefalia. Então, eu calculei: eu tô grávida e peguei a zika. Será? Mas descobri a microcefalia dele só no nascimento. Isso me abalou muito, mas não na questão de ter um filho deficiente. Eu imaginava a sociedade em que a gente vive e, na falta de assistência que existe, como seria o futuro dele. Então, eu me penalizava por querer o melhor para ele e não ter estrutura para oferecer. Eu desabei”, relembra Germana.
O choro e as lamentações não demoraram, porém, a dar espaço para a luta por um tratamento adequado para o filho. Quando Guilherme estava com um mês de vida, Germana conheceu outra mãe de bebê com microcefalia na fila de um exame no Hospital Oswaldo Cruz, localizado no bairro de Santo Amaro, no área central do Recife. Após trocarem contatos, criaram um grupo no WhatsApp para reunir outras mães que também tinham filhos com a malformação cerebral. Em dois meses, o número inicial de oito participantes aumentou para 200.
Esse grupo virtual era o pontapé inicial para o surgimento da União de Mães de Anjos (UMA), que, com menos de um ano de fundação, reúne 319 mães. “A UMA foi um divisor de águas na minha vida. O grupo era para tirar as dúvidas, compartilhar experiências, e a gente começou a ver que tinha algo em comum entre a gente: essa falta de uma assistência adequada. Então, a gente resolveu formalizar e ir em busca de uma política de atendimento de qualidade, que está em construção. Fomos em busca dessas mães, inclusive do interior”, conta Germana, que preside a associação criada em dezembro de 2015.
A UMA teve, ainda, um papel fundamental na vida dessas mães: encontrar a força necessária para superar o preconceito que a malformação cerebral ocasionava no meio social. “Assim como eu, tem duas ou três mães que escondiam a microcefalia do filho por não aparentar e resolveram abrir para o mundo, para a sociedade, e resolveram ter forças, lutar e não se acovardar. Eu não compreendia que o preconceito começava em mim. Eu tinha medo de as pessoas olharem com pena, com aquele olhar de ‘coitadismo’. Hoje em dia, eu entendo que é a própria ignorância do ser humano, a curiosidade”, ressalta Germana.
Guilherme Soares, de 11 meses, nasceu com microcefalia (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Ainda assim, a luta contra o preconceito direcionado aos bebês com microcefalia não se mostrou um caminho fácil de se trilhar, ainda que coletivamente. “Na internet, chamam nossos filhos de demônios, de monstros. Há até quem diga que não doeu para nascer por causa do tamanho da cabeça. Há religiosos que colocam a mão na cabeça dos bebês e pedem para sair o mal. Chamam de miniBozo, de peste do Nordeste. É uma revolta muito grande. As mães já não têm muita estrutura psicológica para lidar com a rotina que têm e ainda precisam lidar com isso, que derruba de vez”, queixa-se a mãe de Guilherme.
Benefícios e estimulações precoces
Após sair do emprego para ter o tempo necessário para acompanhar o tratamento do filho, Germana recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) desde março deste ano, dois meses após a criação desse auxílio do governo federal para mães de bebês com microcefalia, no valor de um salário mínimo por mês. Diante das dificuldades encontradas por outras mães em receber essa ajuda financeira, um mutirão foi realizado para eliminar a burocracia do processo de cadastro.
“A UMA mandou uma carta para a Previdência Social, em Brasília, explicando a necessidade que tínhamos de receber esse benefício com urgência. Então, sugerimos um mutirão: em vez, de você ir levar o documento e esperar 15 dias, ir falar com a assistente social e esperar mais 15 dias, depois voltar para falar com o médico perito e esperar 15 dias para saber se foi aprovado ou não e só no final do outro mês receber, no mutirão a gente entregou a documentação e falou com a assistente social e o perito no mesmo dia. Então, com cinco dias, as mães já sabiam se o BPC tinha sido aprovado ou não”, relembra.
Moradora de Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife, a mãe de Guilherme percorre com o filho o trajeto de 52 quilômetros até a capital três vezes por semana. Desde março deste ano, ele recebe estimulações precoces para minimizar o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente da microcefalia. As diretrizes e orientações aos profissionais das equipes da atenção básica e atenção especializada foram disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, em janeiro, para estimular o desenvolvimento de crianças de até 3 anos com a malformação cerebral.
“Quando eu descobri a microcefalia dele, eu enlouqueci. Se tinha que estimular precocemente, tinha que correr atrás para estimular. Eu disse que não tinha tempo para chorar, e sim para correr atrás do prejuízo. O Guilherme vem recebendo essa estimulação desde então, mas não da forma adequada. O indicado até 18 meses são três sessões de cada tipo por semana: fisioterapia, terapia ocupacional, hidroterapia, fono. Mas ele faz uma apenas, só a fisio que ele faz correta, pois complementei a realizada na AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente] com a Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais]”, afirma Germana.
Germana Soares, mãe de Guilherme, que possui microcefalia (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Sobre o futuro do filho, Germana revela que nutre uma esperança do tipo realista. “Guilherme é especial, tem limitações e necessidades diferenciadas. O vírus é novo e meu filho pode ter uma complicação agora e simplesmente perder todos os movimentos, como já aconteceu com outros bebês. A gente alimenta a esperança, mas mantém os pés no chão. Estamos aprendendo da pior maneira, que é vivendo e vendo isso acontecer com os nossos filhos. Eu só quero que Guilherme seja feliz”, desabafa.
Para garantir essa felicidade para o filho, a pernambucana promete que vai continuar lutando para que Guilherme viva em uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa. “A sociedade não precisa aceitar, basta respeitar. Quando a gente respeita o outro, a gente vive num mundo melhor. E não é que eu queira, eu exijo que ele viva numa sociedade mais inclusiva e vou continuar lutando para isso”, finaliza.
(Do G1 PE)