A decisão do Superior Tribunal Federal (STF) sobre a flexibilização de contratação no serviço público preocupa os concurseiros. A emenda constitucional de 1998 que derrubou a obrigatoriedade da adoção do regime jurídico único para contratações pelo poder público foi aprovada pelo Corte na semana passada. Agora, os concursos federais poderão contratar pessoas pelo modelo de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que tira a estabilidade dos aprovados.
O modelo que era exclusivo e permanece vigente é de regimes jurídicos únicos (RJU), que prevê planos de carreira para servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas federais, estaduais e municipais. Para ter a possibilidade de contratação via CLT pelos estados e Distrito Federal, as entidades federativas precisarão criar legislação e aprová-las em seus territórios.
Apesar de permitir o fim da estabilidade dos funcionários públicos, a decisão não acaba com esta possibilidade, já que a exigência de concurso está mantida. Além disso, o novo entendimento do STF só vale para seleções futuras ou em andamento, não afetando os servidores que já estão lotados em seus cargos. Para alterar as carreiras, é necessário que sejam aprovadas normas específicas, prevendo a contratação via CLT ou por meio do regime estatutário.
E agora?
O professor de direito constitucional e consultor jurídico Júnior Vieira explica que nem todos os cargos serão flexibilizados para a contratação CLT.
“Acredito que isso vai ser um experimento social para ver o que que vai acontecer na Administração Pública Direta com relação a essas contratações. Mas penso que serviços administrativos serão uma opção facultativa à contratação pelo regime celetista. Claro, desde que o Distrito Federal e cada unidade da Federação aprove um normativo para estabelecer essa possibilidade, ou seja, deverão aprovar uma legislação para facultar essa esse funcionamento”, ressaltou.
Segundo ele, “quem for prestar concurso vai pensar mais porque vai ter que fazer prova para ingressar no cargo, só que é um pouco mais precário do que o modelo atual por conta da falta de estabilidade”. “Penso eu que o número de pessoas que estudam para concurso vai diminuir”, completou.
Já na opinião da advogada e professora de direito trabalhista Tatielle Carrijo, a falta de estabilidade também impacta em motivações políticas nos cargos, como indicações ou represálias.
“É importante observar a perda de estabilidade com mais profundidade, pois a estabilidade não apenas é uma garantia ao servidor, mas também um meio para impedir que a influência política, especialmente a político-partidária, comprometa o desempenho da missão de bem servir o público, por temor de qualquer tipo de represália ou consequência negativa. Isto é, visa assegurar o servidor público na prestação de serviços à sociedade, e não com vistas a obtenção de privilégios ou favorecimento a um grupo específico de pessoas.”
Carrijo afirma que a perda de estabilidade pode provocar um prejuízo muito maior à população do que somente ao servidor celetista, pois este poderá passar a ser alvo de represália e, inclusive, dispensas arbitrárias, injustas, fundadas em perseguição política e que fogem totalmente aos interesses da sociedade. “Tal decisão pode vir a ter um efeito rebote, em vez de favorecer a sociedade, resultará em contratações com pautadas em preferências ou interesses pessoais do gestor público e não no interesse da sociedade e da própria administração”, disse.
Já para Ariel Uarian, advogado e mestre em Direito Constitucional, a decisão pode favorecer o novo modelo por ele ser mais barato para o governo. “Olhando por um viés meramente de impacto econômico e financeiro, a tendência é que se prefira a contratação pelo regime CLT, uma vez que ele é menos oneroso para os cofres públicos do que o regime estatutário. Entretanto, alguns cargos demandam estabilidade, visto que suas atividades demandam autonomia e independência. Nesses casos, deverá ser feito por meio de concurso”, frisou.
O que diz o governo
Questionado sobre os impactos da estabilidade dos servidores e na realização de concursos públicos, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) afirmou, em nota, que os futuros impactos dependem da divulgação do acórdão do tribunal. “A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não tem consequências para os atuais servidores. Seus impactos para o serviço público poderão ser melhor avaliados após a divulgação do acórdão pela Corte.”
Possível fim de um sonho
Betânia (nome fictício), 26 anos, moradora de Brasília, estuda para concursos públicos há 5 anos, com picos de dedicação, por causa da estabilidade que o serviço público oferece. A socióloga disse que já gastou cerca de R$ 5 mil, juntando cursos on-line e apostilas. Ela não incluiu na conta as taxas de inscrições e nem os materiais para a prova de diplomacia do Instituto Rio Branco. “(A ideia é) Ter a segurança de um salário constante e garantido todo mês, para poder planejar e organizar a vida”, ressaltou.
Ela acredita que a decisão do STF provocará medo nos concurseiros.
“Não olhei a fundo a decisão, ainda, mas acho que acrescenta um nível a mais de insegurança no mercado de trabalho. Muita gente conta com concurso público pela questão da estabilidade, de ter uma segurança (principalmente em tempos incertos, como o de pandemia recente), e abrir a possibilidade para não ter isso pode desmotivar muita gente. Um pensamento que vem disso é: por que gastar anos de estudos para conquistar um emprego CLT que poderia ser obtido no meio privado tradicional? Depende muito de quantos órgãos e entidades vão aderir a essa nova possibilidade de contratação”, afirmou.
A socióloga explica que vai precisar pensar melhor antes de se inscrever para qualquer prova no serviço público, e também na sua dedicação aos estudos. “Eu vou reconsiderar o quanto de energia eu coloco nos meus estudos, procurar novas possibilidades de trabalho, longe do setor público, dependendo do andar das coisas. Suspeito que o número de inscritos pode até diminuir para muitos deles”, observou.
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Confira as informações no Correio Braziliense.
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