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Imprensa negra: 190 anos de luta antirracista ligam passado e presente

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“Criminoso seria o homem de cor, se na crise mais arriscada, na ocasião em que os agentes do Poder desembainham as espadas dando profundos golpes na Constituição, na Liberdade (…) guardasse mudo silêncio, filho da coação, ou do terror.”

O texto acima está em uma das edições do primeiro jornal da imprensa negra no Brasil: O Mulato ou O Homem de Côr, criado há exatos 190 anos, no dia 14 de setembro de 1833. A mensagem é representativa de uma missão que une comunicadores negros do passado e do presente: a de não se calar diante da intimidação, da violação de direitos e de ameaças à liberdade.

Naquele contexto, o periódico denunciava a prisão arbitrária de um homem negro, Maurício José de Lafuente, acusado de vadiagem e de porte ilegal de arma. O que foi prontamente rebatido por uma série de provas. Se avançarmos para os dias atuais, há uma clara continuidade. Movimentos sociais e pesquisadores têm denunciado incessantemente as abordagens policiais racistas e a criminalização sistemática de negros: o grupo responde por 68% dos que estão hoje em presídios no país, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Entre as diferentes formas de enfrentamento do racismo, o jornalismo vem sendo, de acordo com especialistas ouvidos pela Agência Brasil, uma ferramenta importante de denúncia, debate e reflexão durante quase dois séculos. Diversas vozes e canais de comunicação têm oferecido alternativas aos discursos dominantes de exclusão e desigualdade.

“Desde o início até agora, os veículos da imprensa negra têm em comum esse sentimento de não se sentirem representados e contemplados da maneira correta pela mídia hegemônica empresarial. Eles trazem narrativas importantes de autorreferência, já que são feitos por pessoas negras”, diz Jonas Pinheiro, jornalista na Revista Afirmativa.

“Quando as pessoas contam as próprias histórias, trazem determinadas sensibilidades e perspectivas que são negligenciadas pela grande mídia empresarial, que na maioria das vezes é racista”, completa Pinheiro, pesquisador na área de comunicação e cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Homem de Côr: o início

Os primeiros capítulos da imprensa negra no Brasil podem ser contados a partir da trajetória de Francisco de Paula Brito, um homem negro que nasceu em 1809 no Rio de Janeiro. Quando jovem, aprendeu a arte gráfica na Tipografia Imperial e Nacional, ex-Impressão Régia, e seguiu carreira em outros empreendimentos como compositor, diretor das prensas, redator, tradutor e contista.

Francisco de Paula Brito é reconhecido por dois feitos históricos: ter sido o primeiro editor de Machado de Assis, maior nome da literatura brasileira, e o editor do pasquim O Homem de Côr, primeiro periódico da imprensa negra no país. Impresso na Tipografia Fluminense de Paula Brito, do qual era proprietário, o jornal teve apenas cinco edições, mas abriu as portas para todos os que viriam depois.

A partir do terceiro número, o nome foi mudado para O Mulato ou O Homem de Côr. A escravidão, ainda em vigor no país, não foi tema do jornal, que estava mais focado em denunciar a discriminação racial contra pessoas negras livres. Durante o ano de 1833, uma das principais bandeiras foi a de atacar as dificuldades impostas aos negros para conseguir cargos públicos civis, políticos e militares. Ainda no mesmo ano, entre setembro e novembro, outros periódicos desse segmento surgiriam inspirados pelo pioneiro: Brasileiro PardoO CabritoO Crioulinho e O Lafuente.

Demorariam 43 anos até que uma nova manifestação da imprensa negra surgisse. Foi apenas em 1876, no Recife, que começou a circular o jornal O Homem. Pouco depois será a vez de São Paulo, com A Pátria e O Progresso, ambos em 1899, e de Porto Alegre, com O Exemplo, de 1892. O periódico gaúcho teria a maior duração até ali da imprensa negra, sendo encerrado em 1930, por problemas financeiros.

Rio de Janeiro (RJ), 16/03/2023 – A diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto concede entrevista à Agência Brasil. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto apresentou dissertação sobre a imprensa negra do século 19 – Tomaz Silva/Agência Brasil

Na dissertação sobre imprensa negra do século 19, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto apresenta uma definição do que caracterizaria esses tipos de veículos: são “jornais feitos por negros; para negros; veiculando assuntos de interesse das populações negras”. Em comum também a postura de desafiar as tentativas de silenciamento.

“Esses momentos iniciais da imprensa negra no Brasil demonstram que, a despeito de inúmeros contratempos – entre os quais o próprio escravismo e seus instrumentos afins –, negros aqui formularam uma fala própria e tornaram-na pública. Ainda que não tenham alcançado simultaneamente todo o território nacional, esses impressos são parte do esforço coletivo de controlar os códigos da dominação e subvertê-los”, diz o trecho da dissertação de Ana Flávia. Atualmente, ela ocupa o cargo de diretora-geral do Arquivo Nacional.

Século 20

Ao longo do século 20, o número de veículos da imprensa negra se multiplicou. No Rio Grande do Sul, surge o A Alvorada, publicado entre 1907 e 1965, com interrupções. Depois A Tesoura (1924), A Revolta (1925) e O Tagarela (1929). Em Minas Gerais, circulam A Verdade (1904) e o Raça (1935). Em São Paulo, O Menelick (1915), O Xauter (1916), A Rua (1916), O Bandeirante (1918), O Alfinete (1918), A Liberdade (1919), A Sentinela (1920), Kosmos (1922), Clarim d’Alvorada (1924), Elite (1924), Progresso (1928) e A Voz da Raça (1933). Esse último era publicado pela Frente Negra Brasileira (1931-1937), principal organização negra do país no período.

Mais para a frente viriam O Novo Horizonte (1946), Mundo Novo (1950), Nosso Jornal (1951), Notícias de Ébano (1957), O Mutirão (1958), além das revistas Senzala (1946) e Níger (1960). No Rio de Janeiro, destaque para A Voz da Negritude (1953).

190 anos da imprensa negra: luta antirracista liga passado e presente. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
 Jornal gaúcho O Exemplo foi um dos que deixaram de circular por problemas financeiros – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

A maioria das publicações teve vida curta. Em alguns casos, durando poucas edições e não indo além do primeiro ano de vida. O historiador João Paulo Lopes explica que é preciso levar em conta o contexto social daqueles que produziam e liam os periódicos.

“Os custos para publicar um jornal eram altos. Geralmente, o pagamento se dava por meio de rateio entre os editores e os ativistas, se o jornal tivesse vínculo com alguma associação do movimento negro. Outros conseguiam verba com publicidade, o que ajudava a custear a publicação por um tempo maior. E outros dependiam de assinaturas. E quando os leitores eram afetados por crises econômicas, podiam deixar de pagar pelas publicações, o que afetava a circulação. Mas nem tudo era só financeiro. De tempos em tempos, essas publicações sofriam ataques, eram empasteladas em momentos de crise política e ditaduras”, explica o historiador João Paulo Lopes.

190 anos da imprensa negra: luta antirracista liga passado e presente. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Edição do jornal Quilombo, liderado por Abdias Nascimento – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Vale mencionar especialmente o caso do jornal Quilombo, liderado por Abdias Nascimento: político, artista, ativista e criador do movimento cultural Teatro Experimental do Negro (TEN). O Quilombo teve dez edições entre dezembro de 1948 e julho de 1950. E adotou agenda política marcante contra “a piedade e o filantropismo aviltantes” em relação à população negra, além de reforçar a importância de uma luta ativa contra o racismo no país.

Com o fim da ditadura, se destacariam jornais fundados por pessoas que passaram pelo Movimento Negro Unificado (MNU), fundado em 1978, tendo como pautas centrais a desconstrução do “mito da democracia racial” e a denúncia do racismo estrutural. Alguns exemplos são o Tição (1977), o Objetivo (1977), Jornegro (1977), Negrice (1977), O Saci (1978), Vissungo (1979), Pixaim (1979), a Voz do Negro (1984), o Áfricas Gerais (1995), Elêmi (1985), o Irohin (1996) e a revista Raça, de circulação nacional (1996).

“O que existe em uma marca comum, que conecta os jornais desde o Homem de Côr, é a discriminação e o preconceito. Claro, com diferenças de contexto histórico. No século 19, vivemos ainda no seio de uma sociedade escravocrata, e as publicações estão levantando questões do homem negro não escravizado nos primeiros anos do país independente”, diz Lopes.

“Com a abolição, a luta é contra o racismo estrutural, desdobrado nas mais diversas formas, frentes e caras. Nas instituições, na polícia, no mercado de trabalho, nas escolas, no campo, no acesso à terra”, acrescenta o historiador.

Passado e futuro

Nesse conjunto de periódicos históricos, um em especial prepara edição comemorativa para resgatar debates do passado e repensá-los a luz dos problemas atuais: A revista Tição, de Porto Alegre, que originalmente circulou em 1977. Com artigos de jornalistas, sociólogos e professores, o projeto pretende confrontar os diferentes contextos e analisar em que pontos houve avanços ou retrocessos nos desafios enfrentados pela população negra no país.

Jeanice Dias Ramos, que participou do Tição na década de 1970, é uma das pessoas que lideram o projeto atual, que depende de apoio financeiro para ser finalizado. Mas, assim como aconteceu antes, ela acredita que a importância do tema há de mobilizar diferentes pessoas em torno da revista.

190 anos da imprensa negra: luta antirracista liga passado e presente. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
 Revista Tição, de Porto Alegre, que circulou na década de 1970 – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

“Naquela época, com todas as dificuldades, era incrível o número de pessoas que queriam participar do Tição. As reuniões de pauta tinham até 70 pessoas. Eram praticamente assembleias ou plenárias. Não era só discussão entre jornalistas, era uma comunidade toda querendo participar”, relembra Jeanice.

“E, se você observar as pautas daquele período, elas continuam novas. Falam de questões até hoje não resolvidas dentro da negritude. Todos os tópicos foram aprofundados na revista e os problemas são muito atuais.”

Por essa continuidade histórica de lutas e demandas, Jeanice entende que os veículos da imprensa negra vão continuar sendo canais de expressão e denúncia fundamentais no país.

“A mídia negra dá condições para que a comunidade negra se aproprie dos seus próprios problemas. Que consiga visualizar e superar os desafios que são inerentes aos negros. São questões sociais e básicas de sobrevivência. Somos majoritariamente pobres. E temos que lutar diariamente pelo pão, pela condução, pelo trabalho. Não temos uma vida fácil. Falta o viver bem para a comunidade negra. Quando um negro adolescente sai de casa, a mãe fica em pânico. Será que essa criança volta para casa? Essa é a nossa realidade.”

Fonte: Agência Brasil

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Vereador é assassinado com tiro de fuzil na calçada de casa em Crato/CE

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O ex-policial e vereador em exercício Erasmo Morais foi assassinado a tiros de fuzil na manhã desta terça-feira (7), no Crato, na Região do Cariri. Ninguém foi preso.

Segundo a Polícia Militar, o crime ocorreu no Bairro Mirandão, próximo de sua residência. Testemunhas afirmaram para a polícia que dois homens em uma picape de cor branca efetuaram os disparos.

Uma moradora conversou com a reportagem da TV Verdes Mares e disse que ouviu muitos tiros. “Quando eu saí, ele já estava morto e os suspeitos não estavam mais. Ele [vereador] ia buscar o filho autista na escola e foi morto quando saía de casa”, disse.

Erasmo Morais era pré-candidato a vereador nas eleições deste ano no Crato e até já teve a oportunidade de assumir o cargo na condição de suplente. Equipes da Polícia Militar fazem buscas na região com objetivo de prender os suspeitos.

Por Vila Bela

           

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Governo prepara linha de crédito para famílias no Rio Grande do Sul

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As famílias afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul poderão receber uma linha de crédito especial para a reconstrução de casas, disse na noite dessa segunda-feira (6) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O crédito se somará ao repasse de verbas ao governo gaúcho e às prefeituras das localidades atingidas pelo evento climático extremo.

Segundo Haddad, o governo ainda está definindo os detalhes e a possibilidade de os bancos oficiais operarem a linha de crédito. Nesta terça (7), Haddad se reunirá com a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros. O ministro confirmou que a linha de crédito extraordinária será um dos temas.

“É preciso uma linha de crédito específica para reconstrução da casa das pessoas. A maioria não tem cobertura de seguro. Então, isso tudo vai ter que ser visto”, disse o ministro.

A linha de crédito se somará a outras medidas voltadas às famílias atingidas pela tragédia, como o adiamento, por três meses, do pagamento de tributos federais por pessoas físicas e empresas, inclusive o Imposto de Renda, nos 336 municípios gaúchos em estado de calamidade pública. Para as micro e pequenas empresas e os microempreendedores individuais, o pagamento foi adiado em um mês.

Segundo Haddad, as medidas devem ser fechadas e apresentadas hoje ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro informou que enviará alguns cenários para o presidente decidir.

“Hoje saiu a primeira medida, que foi o decreto de calamidade, que abre para os ministérios a possibilidade de aportar recursos emergenciais [a] escolas, hospitais, postos de saúde. Não tem como esperar. Então, isso tudo vai precisar de uma dinâmica própria. Mas nós estamos trabalhando em outras frentes importantes e queremos concluir esse trabalho o mais rapidamente possível. Tudo dando certo, submeto ao presidente amanhã [nesta terça] alguns cenários”, afirmou Haddad ao sair do Ministério da Fazenda.

Ontem, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de decreto legislativo para reconhecer estado de calamidade pública em parte do território nacional, em decorrência da tragédia climática no Rio Grande do Sul. A proposta agiliza o repasse de recursos ao estado.

Dívida

Em relação à dívida dos estados com a União, Haddad disse que o governo pretende dar um tratamento específico e “emergencial” ao Rio Grande do Sul. O governador Eduardo Leite pede a suspensão das parcelas dos débitos com o governo federal para liberar cerca de R$ 3,5 bilhões do caixa do estado.

Segundo o ministro, embora outros estados do Sul e do Sudeste queiram renegociar as dívidas com a União, o Rio Grande do Sul receberá prioridade no momento. “Nós temos de isolar o maior problema para enfrentar de maneira adequada. É um caso totalmente atípico, precisa de um tratamento específico”, declarou Haddad.

Outra possibilidade de ajuda ao estado é a liberação de recursos por meio de créditos extraordinários, usados em situações urgentes e imprevistas e que estão fora do limite de gastos do novo arcabouço fiscal. Haddad informou que o governo federal ainda não tem um cálculo do valor necessário para ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul.

“Sem a água baixar, é muito difícil fazer uma estimativa de custo. Temos que aguardar os próximos dias para fazer uma avaliação dos danos e [decidir] como vamos enfrentar esse problema. Mas a disposição do Congresso e dos executivos estadual e federal é de enfrentar o problema”, afirmou Haddad.

Transparência

O ministro prometeu centralização e transparência no repasse dos recursos. “O importante é o seguinte: vai ser bem centralizado, para não perdermos a governança. Está bem focado nesta calamidade, está bem focado nos municípios atingidos, e vai ter um procedimento que tudo tem que ser aprovado no âmbito do Executivo e no âmbito do Legislativo. Para mantermos total transparência sobre o destino desse recurso”, acrescentou.

Haddad ressaltou que o diferencial do evento climático extremo no Rio Grande do Sul está na escala da tragédia. O ministro estava na comitiva do presidente Lula e dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, que sobrevoou a região metropolitana da capital gaúcha no domingo (5).

“Já vi isso ocorrer em várias localidades quando eu era ministro da Educação, de visitar locais atingidos por trombas d’água, chuvas tropicais, coisas intensas que afetavam escolas, hospitais, postos de saúde. Agora, nunca vi nada nessa extensão territorial. Algo tomar 200, 300 municípios, isso realmente é a coisa que mais choca. E você vê pessoas ainda isoladas, famílias que perderam [bens]. É difícil, uma situação que comove muito”, lembrou o ministro.

Fonte: Agência Brasil

 

 

           

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Porto Alegre esvazia bairros após falha em sistema de escoamento, e número de desabrigados dobra no RS

Até agora, as chuvas deixaram 85 mortos e 339 feridos no estado. Ainda há 134 desaparecidos.

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Uma semana após o início das fortes chuvas que deixaram parte do Rio Grande do Sul debaixo d’água, o número de pessoas desabrigadas no estado duplicou nesta segunda-feira (6) no estado. Segundo o boletim mais recente da Defesa Civil, divulgado no início da noite, 47.676 pessoas estavam nesta situação, contra cerca de 20 mil no levantamento anterior, do meio-dia.

Entre as pessoas afetadas estão moradores de dois bairros da região central de Porto Alegre que saíram de suas casas diante da iminência de novas enchentes após o desligamento do sistema de bombeamento de água na tarde desta segunda.

Até agora, as chuvas deixaram 85 mortos e 339 feridos no estado. Ainda há 134 desaparecidos.

Com mais de 5 metros acima do nível normal, o lago Guaíba deve demorar mais de 10 dias para ficar abaixo da cota de inundação, de 3 metros, segundo estimativas do governo estadual. A previsão, portanto, irá prolongar a emergência na capital gaúcha e nos demais municípios afetados.

Nesta segunda, o governador Eduardo Leite (PSDB) reconheceu calamidade pública em 336 das 497 cidades do estado.

O aeroporto internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, fechado desde sexta-feira (3) em decorrência das enchentes, não tem previsão de quando os voos serão retomados, segundo a concessionária responsável. As companhias aéreas suspenderam voos para o local até o fim do mês.

Além do isolamento, os moradores da capital relatam saques em mercados, lojas e farmácias.

A moradora do centro histórico Emely Jensen, que tem um apartamento em zona não alagada, conta que deixou o bairro após sofrer uma tentativa de assalto no domingo (5). “Isso nunca aconteceu comigo antes, nem mesmo à noite”, diz. “Comecei a ficar com medo de ficar na região.”

Por estar às margens do rio Gravataí e do Guaíba, a capital gaúcha tem um sistema de escoamento de água que inclui diques e comportas de até 5 metros de altura, acionadas em caso de cheia.

Há também 23 casas de bomba distribuídas pela cidade, que são reservatórios onde a água é retida em caso de cheias. Diante das enchentes, apenas quatro estão em funcionamento atualmente.

Uma delas, desligada nesta segunda, capta água do centro da cidade durante chuvas fortes e a bombeia para o Guaíba. Inoperante, o volume drenado em dias anteriores voltou a se espalhar e ocupar as ruas dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus.

De acordo com o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), o desligamento da casa de bomba foi uma decisão tomada pelos técnicos que operam o sistema devido às recorrentes descargas elétricas em função do contato da água com o painel elétrico. “As pessoas começaram a sentir choques nessa região, especialmente, o operador da casa”, disse o prefeito.

Uma moradora de um dos bairros relatou que, após o desligamento das bombas, a água subiu rapidamente e chegou na altura da cintura. Vizinhos usaram jet ski para se locomover perto de sua casa, localizada a cerca de 2 quilômetros da orla do Guaíba.

A gestão do prefeito Melo foi alvo de uma série de ataques nas redes sociais por avisar sobre o desligamento das bombas após as ruas já estarem tomadas pela água. Em entrevista coletiva, ele disse que o momento é de união.

O prefeito também afirmou que será feito um plano de logística para permitir a chegada de veículos à capital gaúcha, principalmente, de caminhões com doações de estados vizinhos, como Paraná e Santa Catarina.

O sistema desligado pela interrupção do fornecimento de energia é vizinho da sede do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Usado como centro de referência para acolhimento na cidade, o Teatro Renascença teve que ser esvaziado por estar situado na área afetada pelo desligamento do sistema de escoamento. A triagem foi direcionada para o Grêmio Geraldo Santana, no Bairro Santo Antônio.

Ali, Gilson Luis Garibaldi, 64, procurava a mulher, resgatada dias antes no apartamento do cunhado. Mesmo no segundo andar, a água subiu. “Deixei o espaço no resgate para uma senhora e aí fiquei separado da minha mulher”, conta.

Após várias ligações de um celular emprestado que caíram na caixa postal da mulher, Gilson foi atendido. Ela já havia passado pela triagem e estava em um abrigo. “Vou te encontrar”, comemorou ao telefone.

Outro ponto de atendimento às vítimas, uma tenda montada na orla do Guaíba, recebeu nesta segunda moradores de Eldorado do Sul. Todos os bairros do município foram atingidos pelas águas. No grupo estava a fisioterapeuta Cássia Fortunato Rodrigues, 36.

“Não sobrou nada da cidade sem água”, começou falando e alternou do tom ameno para o choro, “vai ser pior a hora que se deparar com o que ficou”, disse.

A situação calamitosa levou o Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul a desligar o centro de processamento de dados de todo estado. Isso deixou as polícias gaúchas sem sistema, assim como o site oficial do governo, que chegou a ficar fora do ar.

A sensação de insegurança tem feito moradores da ilha da Pintada, no bairro Arquipélago, a região mais afetada de Porto Alegre, a se recusarem a deixar suas casas por medo de saques. “Meu pai não quis sair de casa na quinta-feira (2) quando dava tempo e ficou sob cuidados de parentes. Na madrugada de quinta para sexta tiveram que resgatá-lo e ele estava com água na cintura”, diz Paula Reis de Lima.

Paula diz que os ataques costumam ocorrer à noite. “Não ligam o motor, vão a remo, se arriscam inclusive, entram nas casas e fazem esses saques. Algumas pessoas colocam coisas no forro, no alçapão, e tem gente que se aproveita dessa situação.”

Outro problema enfrentado na capital gaúcha é a infestação de baratas e ratos. As pragas, segundo relatos, estariam deixando o subsolo inundado para se abrigar em locais secos.

Casas e apartamentos também estariam sendo invadidos. Moradores disseram à reportagem estarem amedrontados sobre doenças (ratos são transmissores de leptospirose) e roubo de alimentos pelos animais. Além disso, afirmam estar jogando seu lixo em locais longe dos que habitam para afastar as baratas. A prefeitura não se pronunciou sobre o tema.

“Estou trancando tudo. Tenho criança em casa e muito medo de entrar bicho aqui”, declarou Giulia Gotti, 32, moradora da Santa Cecília, na região central. “A situação já está ruim o bastante”, acrescentou.

Fora da capital, cidades têm enfrentado colapso nos serviços públicos e milhares de desabrigados. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), afirmou que os alagamentos atingiram o hospital municipal, três UPAs, quatro farmácias, além de 19 das 27 unidades básicas de saúde existentes. Ao todo, 16.697 pessoas foram acolhidas em 61 abrigos distribuídos na cidade, que deve receber três hospitais de campanha. Dos 40 mil habitantes, 30 mil foram afetados pela enchente.

Foto Getty

Por Folhapress

           

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