Principal programa social do país, o Auxílio Brasil tem quebrado recordes no número de famílias atendidas e no valor da transferência de renda. O cenário para quem assumir o Planalto em 2023, no entanto, já deve ser diferente.
O tema ganhou destaque na noite deste domingo (28), no debate presidencial entre os candidatos ao Planalto.
A promessa do presidente Jair Bolsonaro (PL) de pagar ao menos R$ 600 mensais a cada família termina em dezembro. Depois, o valor pode retornar ao patamar mínimo de R$ 400.
Além disso, a ampliação do número de famílias atendidas pelo programa para quase 20 milhões depende do Orçamento do próximo ano, a ser votado pelo Congresso apenas em dezembro. A falta de um quadro previsível para aqueles em situação de pobreza e extrema pobreza é um dos desafios de quem for eleito.
O uso político do programa de transferência de renda também é criticado por especialistas. Para eles, o ideal seria transformar o auxílio numa política social com regras claras -sem deixar margem, por exemplo, para que o chefe do Planalto anuncie mudanças de acordo com o vento político do momento.
Nos últimos anos, iniciativas nas áreas de habitação e educação foram reduzidas. Sem amparo de outras políticas públicas, a transferência de renda tem efeito limitado a longo prazo no combate à pobreza.
Quantas famílias de baixa renda existem no país? Segundo o Cadastro Único, que permite ao governo ter informações sobre a população que pode se encaixar em programas sociais, há 35 milhões de famílias de baixa renda no Brasil. No início do mandato de Bolsonaro, eram 27,3 milhões. O aumento foi mais acentuado a partir de janeiro de 2021, quando havia 29 milhões de cadastros. O Cadastro Único foi criado pelo governo federal, mas é gerido e atualizado pelas prefeituras.
Quem se inscreve pode tentar participar de programas como Auxílio Brasil, Tarifa Social de Energia Elétrica e Casa Verde e Amarela.
Qual o principal programa social do governo federal? No fim de 2021, Bolsonaro substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, que se tornou o carro chefe dos gastos na área social. O programa de transferência de renda seguiu o modelo do antecessor, cuja marca era associada à gestão petista.
O Auxílio Brasil transfere um benefício mensal para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. O valor mínimo é de R$ 400, mas foi elevado para R$ 600 até o fim deste ano. A medida, aprovada pelo Congresso, foi vista como eleitoreira para tentar alavancar a campanha de Bolsonaro à reeleição.
Hoje, para receber o Auxílio Brasil, o Cadastro Único considera em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 105 por membro da família –rendimentos entre R$ 105,01 e R$ 210 são classificados de situação de pobreza. Se o cadastro for aprovado, a família depende de espaço no programa para receber o benefício. Quando o Auxílio Brasil não tem orçamento para atender mais famílias, começa a se formar uma fila -mesmo para quem comprovadamente se encaixa nas faixas de pobreza e extrema pobreza.
Essa espera chegou a ser zerada em janeiro e fevereiro, mas voltou a subir. Em junho, alcançou o patamar de 1 milhão de famílias. Em agosto, o número de famílias subiu de 18 milhões para 20,2 milhões, e a fila de espera foi zerada no mês. No início do governo Bolsonaro, eram 13,7 milhões de famílias atendidas.
Quais os desafios para o Auxílio Brasil em 2023? Segundo as regras atuais, o valor do benefício deve retornar ao patamar de R$ 400, pois a promessa de R$ 600 está prevista para acabar em dezembro. “Não adianta pagar um valor maior durante cinco meses e depois o benefício regredir. As famílias pobres precisam de estabilidade. Sem contar o efeito da inflação”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Hoje o patamar médio é de R$ 409,51, bem acima dos R$ 225 (corrigido pela inflação) pagos no fim do Bolsa Família. A ampliação temporária do valor do benefício para, no mínimo, R$ 600 foi aprovada com apoio de PT, PDT, MDB e União Brasil -partidos que também estão na corrida presidencial.
Para manter o patamar de R$ 600, quem estiver no governo em 2023 enfrentará o desafio de encontrar espaço no Orçamento. Bolsonaro conseguiu atingir esse valor com despesas que ficarão livres da trava do teto de gastos -regra constitucional que impede o crescimento dos gastos públicos acima da inflação.
Especialistas dizem que uma queda brusca no valor da transferência de renda -de R$ 600 para R$ 400- representaria um revés no combate à pobreza. “Essa instabilidade associada ao ciclo político é prejudicial. Os estudos mostram que o nível de pobreza no país varia de acordo com o valor transferido”, afirma Neri.
Além disso, diz o diretor do FGV Social, um aumento apenas provisório no benefício pode incentivar famílias a se endividarem neste ano, o que tornaria a situação financeira ainda mais difícil em 2023.
O que pode ser ajustado no Auxílio Brasil? Uma das principais críticas ao programa criado pelo governo Bolsonaro é a forma de cálculo do benefício às famílias pobres. No Bolsa Família, o valor transferido dependia do número de filhos e da faixa de renda de cada pessoa. No Auxílio Brasil, isso mudou.
Em julho, por exemplo, o benefício médio transferido ficou próximo de R$ 409 –o valor mínimo é de R$ 400. A crítica é que, entre as 18,3 milhões de famílias no programa, há quem precise de mais dinheiro do que outras. “O programa dá o mesmo tratamento a famílias diferentes”, afirma Luciana de Souza Leão, professora assistente e pesquisadora da Universidade de Michigan, nos EUA. Para ela, o programa deveria voltar a considerar o tamanho das famílias e levar em conta os bens que cada uma delas tem. No caso de a família ter um imóvel, por exemplo, ela poderia receber uma renda menor do que a que não tem.
Como evitar o uso político dos programas?
A falta de regras para reajustes e atualizações nos critérios abre margem para uso político. Por isso, Leão sugere que os critérios e os valores dos benefícios sejam regulamentados. “O ideal é que tudo isso fosse regulamentado para que parem de brincar com as vidas das famílias pobres. Temos que ver essa política social como um direito à transferência de renda.”
Como está a situação das outras iniciativas sociais? No governo Bolsonaro, a verba para habitação, saúde e educação da população mais pobre tem passado por sucessivos cortes. Vitrine criada pelo presidente na construção de moradias, o Casa Verde e Amarela tem neste ano o menor orçamento da iniciativa, e a entrega de casas populares caiu nos últimos anos. Os recursos para Farmácia Popular, programa que distribui remédios gratuitos ou com descontos à população de baixa renda, e o Fies, para estimular o acesso da população de baixa renda ao ensino superior, também caíram.
Qual a principal dificuldade desses programas?
A falta de dinheiro está relacionada ao aperto no Orçamento. Devido ao teto de gastos, o governo tem sido pressionado pelo aumento nas despesas obrigatórias, como aposentadorias e salários. Dessa maneira, gastos não obrigatórios –caso dos programas sociais– ficam com menos recursos. As campanhas dos principais pré-candidatos à Presidência discutem uma revisão do teto de gastos para abrir margem aos gastos na área social.”Muitos programas que o Brasil tinha foram desmontados.
Podemos esperar que a transferência de renda vai solucionar todos os problemas da pobreza no Brasil?
Não. Isso é o primeiro passo, mas precisa ser acompanhado de políticas que permitam a inserção dessas pessoas na sociedade”, diz Leão.
O que mudou no programa habitacional Casa Verde e Amarela?
Ao extinguir o Minha Casa, Minha Vida, o governo Bolsonaro acabou com as condições dadas à faixa 1 do programa criado pela gestão petista. Esse segmento era para famílias com renda bruta de até R$ 1.800 por mês (valor considerado em 2020) –elas poderiam assinar contratos com subsídio de até 90% do valor do imóvel, sem juros.
O presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, avalia que a volta de subsídios para a população mais pobre seria uma mudança positiva nos rumos do setor, mas também defende soluções para problemas existentes no antigo Minha Casa, Minha Vida. “É muito importante ter esse foco na população que, muitas vezes, não tem condição de pagar pela casa. Mas, além do lado social, temos que olhar para o gasto público e para outras questões, como a qualidade e a localização dos empreendimentos [pois alguns foram construídos longe de centros urbanos]”, diz Martins.
Por Folhapress