“De fato, não haverá sistema estável, coeso e previsível se as cortes superiores não adotarem critérios específicos para revogar seus próprios precedentes”, afirma Dodge no memorial entregue nesta quinta-feira (16) aos magistrados.
“Em suma, se, por um lado, um sistema de precedentes vinculantes engessado e imutável estaria fadado à falência por rapidamente se tornar obsoleto, um sistema que permite a revisão súbita e acelerada de seus precedentes, por outro lado, está fadado ao mesmo destino por, também rapidamente, revelar-se despido de credibilidade e utilidade.”
Segundo ela, é possível prever uma nova mudança no entendimento dos ministros.
“Os precedentes em que o STF passou a considerar constitucional o início do cumprimento da pena antes do respectivo trânsito em julgado não têm efeitos vinculantes e já vêm sofrendo temperamentos por parte de alguns ministros, de modo que já se antevê a revisão deste entendimento”, diz a procuradora-geral.
Ela destaca que essas mudanças provocam insegurança jurídica.
Em 2016, o Supremo decidiu que a sentença deveria começar a ser cumprida depois que um tribunal referendasse a decisão de primeira instância. No entanto, os ministros continuam a conceder ou não habeas corpus de acordo com o entendimento pessoal de cada.
Duas ações que tramitam na corte poderiam levar a uma nova discussão sobre o assunto.
Dodge destaca que a jurisprudência foi alterada três vezes nos últimos anos.
Entre 1998 e 2009, o Supremo entendia que era possível que o réu começasse a cumprir pena antes de esgotados todos os recursos. A corte alterou o entendimento e, entre 2009 e 2016, passou a proibir a medida. Depois, mudou de novo em fevereiro de 2016.
“Este movimento mais recente de formação e consolidação de precedentes favoráveis à constitucionalidade da chamada execução provisória da pena representou, a um só tempo, uma verdadeira virada jurisprudencial e uma mudança de paradigma para a persecução penal no país”, escreveu Dodge.
“Revogá-lo, mesmo diante de todos os argumentos jurídicos e pragmáticos que o sustentam, representaria triplo retrocesso: para o sistema de precedentes incorporado ao direito brasileiro que, ao se ver diante de julgado vinculante revogado menos de um ano após a sua edição, perderia estabilidade e teria sua seriedade posta a descrédito”, afirmou.
Dodge rebate o argumento de que começar a cumprir a sentença fere o direto à presunção de inocência.
“O sistema processual penal brasileiro tem vários mecanismos processuais que permitem a correção de eventuais execuções provisórias da pena injustas ou equivocadas, como, por exemplo, medidas cautelares voltadas a conferir efeito suspensivo aos recursos extremos e habeas corpus”, diz o texto.
A procuradora-geral afirma que a execução provisória da pena é fundamental para combater a impunidade.
NOVA COMPOSIÇÃO
A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, não tem planos de pautar novo julgamento sobre a execução provisória da pena.
O julgamento de 2016 formou a jurisprudência com placar apertado. Seis ministros votaram a favor da execução provisória da pena: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.Cinco foram contra e defenderam que o réu recorra em liberdade até julgado o último recurso: Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.
A nova composição do Supremo e eventuais mudanças de posição de ministros podem alterar o resultado. Com informações da Folhapress.