Busca pela imunização provocou filas que se estenderam pelas madrugadas em São Paulo.
Voltada principalmente a países da África e da América do Sul, a vacina contra a febre amarela enfrenta obstáculos que ameaçam seus estoques. Entre eles, estão o complexo processo de produção, que utiliza de ovo de galinha a maquinário moderno, e o reduzido número de fabricantes, desencorajados pelo baixo preço final.
A busca pela imunização provocou na última semana filas que se estenderam pelas madrugadas em São Paulo. Desde janeiro de 2017, o Estado registrou 81 casos da doença, com 36 mortes.
Houve ainda ao menos três óbitos associados a efeitos adversos graves da imunização. Embora muito raros (a frequência é de um para um milhão), eles existem e, por isso, especialistas recomendam atenção aos grupos com contraindicações.Embora considerada segura e de alta eficácia, a vacina contra a febre amarela tem só quatro produtores certificados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O maior, Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), fica no Rio de Janeiro, e faz a imunização desde 1937.
Vinculado à Fiocruz, deve produzir até 48,3 milhões de doses neste ano, todas para a rede pública de saúde a um preço unitário de R$ 3,50.
Aos outros três fabricantes – Sanofi Pasteur, na França, Institut Pasteur, no Senegal, e Centro Federal Chumakov, na Rússia -, cabe o abastecimento da rede privada e de todo o resto do planeta, inclusive áreas endêmicas na África.
Ao todo, a produção mundial estimada para este ano é de 105 a 132 milhões de doses. Estudo publicado em agosto do ano passado no periódico médico “The Lancet” estima em 393 milhões a 472 milhões o número de pessoas que precisam ser vacinadas em áreas com circulação do vírus.
A escassez de vacinas na África levou a uma situação limite em 2016, quando um surto atingiu a capital de Angola, a República Democrática do Congo e o Quênia.
“Tivemos sorte”, escreveu no “New York Times” Seth Berkley, diretor da organização internacional Gavi, que apoia o estoque global de vacinas da OMS. “O fabricante brasileiro disponibilizou 2,5 milhões de doses da vacina, e o surto foi contido.”
Para atingir uma escala maior, a entidade optou pelo fracionamento da vacina, o que possibilitou que cada dose pudesse ser usada por cinco pessoas. A contrapartida é a incerteza sobre o tempo de imunização: hoje, o que se sabe é que a dose fracionada vale por oito anos. Mais estudos serão feitos para avaliar se esse período é maior.
Meses depois de ajudar a abastecer o estoque internacional de vacinas, em 2017 o Brasil teve que recorrer a ele em meio ao maior surto da doença já registrado desde o início da série histórica. Foram 779 casos de julho de 2016 a junho de 2017, principalmente em Minas Gerais.
No início deste ano, com as mortes pela doença nas proximidades da capital paulista, o Ministério da Saúde teve que adotar o fracionamento para bloquear o avanço do vírus em 76 cidades dos Estados de São Paulo, Rio e Bahia. Bio-Manguinhos suspendeu todas as exportações e tenta antecipar a produção da vacina contra a febre amarela.
Não é um processo simples. Primeiro, porque, para aumentar o número de doses, seria preciso reduzir a fabricação de outras vacinas, como a tríplice viral. Em segundo lugar, porque o processo de produção é longo e complexo.
A PRODUÇÃO
A tecnologia foi desenvolvida nos anos 1930 e, em 1951, rendeu o prêmio Nobel ao sul-africano Max Theiler.
Tudo começa com ovos de galinha produzidos sem patógenos -agentes causadores de doenças. No caso de Bio-Manguinhos, eles vêm de um produtor no Triângulo Mineiro. “Para produzir esse tipo de ovo, é necessário ter instalações especiais, certificadas e com todos os testes de controle de qualidade”, explica Akira Homma, assessor científico sênior do instituto.
Cada ovo é inoculado com uma cepa atenuada do vírus da febre amarela e rende até 200 doses. Com todos os insumos à disposição, a vacina leva ao menos 60 dias para ficar pronta. As etapas finais envolvem grandes maquinários, que precisam de limpeza e desinfecção cuidadosos.
“Por requerer alto investimento em instalações, equipamentos, procedimentos, recursos humanos altamente qualificados, o custo de produção é alto, e o preço é um dos mais baixos entre as vacinas existentes”, diz Homma.
Já o mercado está centrado na África e América do Sul. Nos países desenvolvidos a vacina é usada só por quem vai viajar para áreas afetadas. Portanto, “o retorno financeiro é baixo e o risco é alto”, define o assessor.
“Vivemos um problema de produção também de BCG [contra a tuberculose], que pouco interessa a outros investidores de fora”, diz Isabela Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações. Também nessa imunização o Brasil é autossuficiente. “Estamos muito bem [na produção de vacinas] quando comparados a outros países não ricos.”
Diretor do Instituto Evandro Chagas e especialista em febre amarela, Pedro Vasconcelos defende que se estude novas tecnologias para produzir a vacina da febre amarela. “Chegou a hora de pensar em uma nova abordagem tão ou mais segura que possa ampliar a nossa produção no mesmo espaço”, diz.Atualmente, Bio-Manguinhos pesquisa a produção de doses com o vírus inativado ou feitas a partir de folhas de tabaco, em vez de ovos. Os estudos, porém, ainda estão em estágio inicial. Com informações da Folhapress.
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