No distante mês de maio de 1952 o silêncio da pacata Belmonte era quebrado com ruídos barulhentos que vinham do alto. Três grandes e muito esquisitos pássaros perturbaram a paz dos habitantes daquela tranqüila cidade. A curiosidade, o espanto, a admiração mesmo tomaram conta de todos. A população passou a se aglomerar em frente à igreja matriz. Liô dona do “Café Padre Cícero” começou a gritar em voz alta: “Valei-me meu Padim Ciço, é o fim do mundo! É o Juízo Final!”. Seu Cosme, um cego que pedia esmolas na cidade, quando ouviu o barulho das aeronaves gritou: “É o toque das sete trombetas do Apocalipse!”
O prestígio das lideranças políticas locais fez com que o Município vivesse uma nova era de importância naquela distante e quase esquecida região sertaneja. Através do vereador e comerciante José Rodrigues de Lima, o dr. Dalvino Santos, presidente do Banco Industrial de Pernambuco, chegava pelo céu a Belmonte para implantar representação de uma agência bancária no Município. Os “pássaros metálicos” deram várias voltas sobre a cidade e foram aterrissar no Campo de Aviação da Várzea.
A chegada dos aviões bimotores (teco-teco) causou o maior reboliço para o povo belmontense, que compareceu ansioso ofegante e em peso ao Campo de Aviação da Várzea. Na cidade, os foguetes pipocavam no ar, comemorando o grande acontecimento. Após o susto da “ameaça do fim do mundo” ter passado, grande parte da população, na verdade, não sabia ao certo o que era um avião, mas diante dos reclames do vigário, passou a encarar aquele espetáculo de outra maneira. Na Rua da Igreja, perímetro do Hotel de dona Antônia Moura, o povo se acotovelava diante daquele fato que provocou nos belmontenses um misto de admiração e espanto.
Bom, se provocou vaidade e orgulho em alguns, não é menos verdade que tenha causado pânico, aperreio e aflição para muitos outros. Passado o susto, afugentado o medo e muitas “garapas” depois, o falatório ganhou a boca do povo de uma ponta a outra da rua, e, como sempre nesses casos, as histórias não tardaram a aparecer.
Conta-se que no momento de desespero seu Zé Roseno, pastor da Igreja Batista começou a chamar seus fiéis para o templo: “Meus irmãos, arrependei-vos enquanto é tempo, que o fim do mundo está próximo! O rugido de Deus através de seu filho está ecoando aos quatro cantos do mundo. Oremos para que Jesus seja nosso advogado! Aleluia!”. E os crentes começaram a se concentrar ao redor do pastor: “Aleluia! Glória a Deus! Estamos vendo a glória de Deus! Obrigado Jesus…” E assim, todos os crentes passaram a convocar naquele instante à população para que aceitasse Jesus enquanto havia tempo!
Um soldado começou a dizer seus pecados em voz alta. Um deles é que tinha traído sua esposa na noite passada no cabaré de Fufú. A esposa por desespero o perdoou. Um velhinho de 70 anos que pedia esmolas, alquebrado pela doença, começou a correr de um lado para outro. Mais tarde ficou constatado que era paralítico não conseguia dar mais de três passos.
As beatas da Igreja de São José largaram tudo e foram para o templo católico rezar. Padre Jesus, mal acabava de celebrar a missa de primeira sexta, e já conhecedor de aeronaves, começou a falar para a população que se acalmasse, pois os aviões não iriam fazer mal a ninguém, e o mundo ainda tinha muito tempo de vida a cumprir. Todas as lavadeira que estavam no “rio” largaram tudo, até falar mal da vida alheia, e correram em disparada sem saber, ao certo, o que estava acontecendo. No caminho do cacimbão de dona Pergentina, ao barulho e zigue-zague daqueles bichos no ar, Maria Fubá e Ana Preta não conseguiram segurar as latas d’água na cabeça…
Luzia Camisinha, parteira, seguira com seu filho pequeno para o Poço do Bode com a lavagem dos porcos. No local, a “besta-fera” apareceu, rodopiando nas proximidades do chiqueiro, marcando carreira, batendo asas e voando. Apavorada com a cena, tremendo muito, com os cabelos em pé, Luzia Camisinha apertou seu filho nos braços e partiu em desabalada carreira para sua casa. Ao entrar na Rua de São José como um furacão, deparou com uma multidão que, espantada, olhava para ela conduzindo um bacorinho nos braços e não o seu filhinho, que havia ficado no chiqueiro dos porcos.
Por Valdir José Nogueira de Moura
Colunista de cultura do Blog do Silva Lima