O Brasil precisa acelerar a regulação das apostas esportivas, as bets, em aspectos que vão além da tributação, alerta o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em relatório antecipado à reportagem.
O órgão, ligado à ONU (Organização das Nações Unidas), afirma que as medidas adotadas pelo país até hoje focam na taxação dessas atividades, enquanto a experiência internacional mostra a necessidade de uma abordagem multidimensional, com regras para resguardar a saúde dos apostadores, suas finanças pessoais e impedir o agravamento de desigualdades.
O tema é relevante porque o mercado mundial de apostas online deve movimentar entre US$ 80 bilhões e US$ 110 bilhões neste ano. Sua rápida expansão tem preocupado especialistas devido aos possíveis efeitos negativos sobre a população, especialmente os mais vulneráveis -que tendem a reduzir o consumo de bens e serviços essenciais para apostar sob a falsa ilusão de retornos financeiros.
Segundo o Pnud, a regulação é fundamental para mitigar esses impactos. “O desenvolvimento econômico, mesmo perante a perspectiva de aumento de arrecadação, tende a ser impactado negativamente se ações adicionais não forem tomadas”, alerta.
Além das perdas financeiras das famílias, a cadeia produtiva do setor de apostas é significativamente menor, gerando menos empregos. O órgão também destaca que há evidências preliminares de que parte da população estaria postergando sua decisão de ingressar em cursos de graduação devido à utilização de recursos que seriam destinados aos estudos para as apostas online.
“Se confirmado, e mantido, este movimento pode impactar não apenas as perspectivas de curto prazo, mas também o crescimento de longo prazo do país, ao impactar o nível educacional e, assim, o crescimento da produtividade e do desenvolvimento humano”, afirma o relatório.
Para enfrentar esses desafios, o documento propõe que o Brasil deva adotar uma regulação mais ampla do setor, que inclua coleta e divulgação de dados, medidas de proteção à saúde e políticas de publicidade responsável.
O Ministério da Fazenda publicou um conjunto de portarias para regular a atividade. As medidas incluem veto ao uso de cartão de crédito nas plataformas e restrições à publicidade, mas ainda há dúvidas sobre a necessidade de ajustes. A pasta ainda discute com o Ministério da Saúde ações para atender pessoas com problemas de saúde associados às apostas.
As recomendações do Pnud partem de evidências já observadas em outros países que estabeleceram regras não só econômicas, mas de saúde pública, publicidade e transparência. Diretrizes adotadas para regular as indústrias de tabaco e álcool são apontadas como possíveis referências.
“É importante começar a ter dados e fazer análise dos fatores de risco, justamente para poder informar políticas preventivas e tratar de regular. Regular não é promover, é dar transparência e prover medidas que permitam controlar e evitar o que se chama de ‘efeito do globo de ar quente’: você aperta de um lado e o ar vai para o outro”, diz o representante do Pnud no Brasil, Claudio Providas.
O relatório aponta a regulação adotada pelo Reino Unido como um modelo bem-sucedido. Por lá, o mercado de apostas esportivas movimenta cerca de US$ 18 bilhões, e os negócios são regulados por uma comissão chamada de Gambling Comission.
As operadoras de jogos de azar têm seus lucros tributados em 15%, chegando a 21% no caso de jogos de aposta online -há inclusive uma discussão para elevar a cobrança a até 42%. No ano passado, o governo arrecadou cerca de US$ 4 bilhões com a atividade, dos quais US$ 1,2 bilhão veio das plataformas online.
Para resguardar os usuários, foram adotadas medidas como veto ao uso de cartões de crédito, exigência de idade mínima para proteger os mais jovens, limites à publicidade (inclusive em redes sociais), licenciamento de plataformas e criação de mecanismo voluntário que permite aos jogadores se autobanirem dos jogos de aposta online por seis meses ou mais.
O Reino Unido também criou um grupo de especialistas em jogos de azar para estudar os impactos e oportunidades relacionados à segurança dos jogos e ao avanço da tecnologia.
“O modelo do Reino Unido é considerado um caso de sucesso por ter conseguido aumentar efetivamente a transparência do setor e o ‘fair play’, contando com fiscalização para práticas justas, integração do setor sob a perspectiva de formalidade e arrecadação, aumento da consciência social dos impactos negativos dos jogos e restrições relevantes sobre o marketing agressivo focado em grupos vulneráveis”, diz o Pnud.
Outros países da União Europeia também estão avançados na regulação das bets. Na Itália, a publicidade de jogos de azar é proibida desde 2019. O veto se estende a patrocínios a eventos, produtos e serviços. Em conjunto com outras medidas, as regras propiciaram o aumento do controle sobre as empresas e da arrecadação, bem como a redução de danos aos usuários e de atividades criminosas relacionadas.
Os avanços na regulação dessas atividades, porém, não são homogêneos, e os casos bem-sucedidos estão longe de ser a regra. “Diversos países possuem uma política regulatória mais limitada, ou até mesmo não possuem nenhuma política regulatória para o setor”, diz o texto do Pnud.
Segundo o órgão, nos países em que o mercado é pouco ou não regulamentado, há proliferação de operadores ilegais, o que deixa os usuários mais vulneráveis e onera o setor público, que não só perde receitas, mas também precisa lidar com as consequências negativas do jogo.
Por outro lado, proibir tampouco parece ser o caminho. O documento cita o caso da Coreia do Sul, que tem uma das regulações mais restritivas da Ásia e mesmo assim assiste ao crescimento do mercado ilegal de apostas online.
“Eu não tenho visto nenhum país que tenha proibido que tenha sido um êxito. Se você proíbe, não tem mecanismos mais sofisticados para monitorar ou controlar o que está crescendo”, afirma Providas. O acesso fácil a plataformas ilegais ainda expõe a população a problemas como vício e acúmulo de dívidas.
Por Folhapress
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